Ganhei de presente o disco "Misantropicalia" do quinteto brasiliense Satanique Samba Trio. Pra quem conheceu Lusbel is a Jazz Project, antiga banda do regente Munha, não vai estranhar tanto o estilo. Mas vai reconhecer que em "Misantropicalia" o conceito do pagode satânico de Munha chegou em sua melhor forma. E agora está pronto para ser disseminado com força total para a grande massa de infiéis.
Isso já começou a acontecer com a matéria de meia página que saiu no Caderno 2 do Estadão, intitulada "O inenarrável Satanique Samba Trio". Minha única referência que lembra ao estilo do Satanique é o jazz esquizofrênico de John Zorn. Mas a comparação não serve pra nada. SS3 condensa ao extremo uma enorme gama de informações e estilos musicais jamais utilidades pelas forças de satã. Encontra-se samba, jazz, mambo, rock, talvez salsa, entre outros estilos carregados de suingue que não faço idéia do que seja. A alternância entre todos eles pode estar reunida em apenas cinco segundos de uma única canção. A imprevisibilidade das mudanças é capaz de dar um nó, virar do avesso e sabotar a lucidez de um cérebro humano comum. No site oficial, a banda bem que avisa: Uma vez libertadas as formas do mal jamais se encolherão.
O mais admirável é que a extrema concisão sonora não dá espaço pra embromações experimentais, que imperam nas bandas que usam o termo como desculpa à falta de talento. Cada segundo em "Misantropicalia" é muito bem calculado. Tudo está bem organizado na cabeça de seus integrantes. E isso é bastante incrível.
"Teletransputa", "Gafieira Bad Vide" e "Dança das quiumbas" são as peças de maior destaque, separadas por atos intitulados "Canção para atrair má sorte", que ajuda a compor o aspecto ritualístico do disco. Tem umas horas que dá medo. "Teletransputa" traz após a fragmentação inicial, uma ótima levada de samba com trombone. Chega a lembrar banda de coreto, com ares de calmaria e aconchego, mas no final um monstro urra em horror de morte. "Gafieira Bad Vide" traz samba, jazz e um imprevisível mambo cujo final entorta a mente. "Dança das quiumbas" tem cavaco junto com trompete e uma cuíca que levam o estilo ao máximo de criatividade e domínio. Há um longo silêncio, um suave solo de cavaquinho que antecede a finalização do disco. É inenarrável. E bastante improvável que exista algo mais criativo e original em todo o solo nacional.