Ontem um tio nos convidou para jantarmos em sua casa. É um tio que quando os outros parentes pensam nele, pensam em uma pessoa que fala muita barbaridade. Um tio que, na mesa, enquanto morde um doce, é capaz de defender as mais radicais teorias sobre a pena de morte. Fazendo com que todos gastem energia ficando transtornados. Apesar de querido, é a imagem que todos têm dele. Uma pessoa que fala muita besteira.
Já a primeira imagem que me vem à mente quando penso nele é a de um ótimo cozinheiro. E mesmo nunca me incomodando com o que ele fala, percebi que quem sabe cozinhar sempre é perdoado. A melhor opção para ser sempre perdoado é ser um bom cozinheiro. É uma qualidade impossível de não admirar. É pacificadora. Todos deveriam perseguir essa meta. Nada como saber fazer uma boa comida e poder deixar todos felizes e sem palavras.
Quando estou na mesa com esse tio, comendo um de seus pratos, e acontece dele falar uma besteira muito grande, olho pra ele, abro um sorriso e penso "que comida boa, tio" ou "esse vinho é bom mesmo". E ele fica feliz se sentido aprovado pelo o meu sorriso ambíguo. E ao ver os outros parentes indignados, acho mais absurdo ainda. Por eles simplesmente se darem o trabalho de levar aquelas palavras a sério.
Ontem tanto a comida quanto o papo estavam bons. Meu tio é ótimo pra contar histórias. Fala o "filho da puta" mais carinhoso que já ouvi. É quase o equivalente em carinho da minha vó dizendo "cagão". Tinham os queijos de sempre, os vinhos bons de sempre, umas carnes, ótimos petiscos que apesar de apenas petiscos estavam especiais de bom. Qualquer coisa que ele faz fica muito bom. Ele adora vinhos. "Semana que vem vou gastar quinhentos reais em vinho", me confidenciou baixinho uma hora. Não disse nenhuma besteira, foi extremamente legal e ficou extremamente agradecido e feliz pela nossa presença em sua agradável casa, no último andar de um prédio. Agradecemos de volta. Disse que sempre é um prazer ir na casa dele. E fomos embora felizes.