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Tarja preta para levar a vida

O Estadão de ontem trouxe uma matéria sobre a disseminação dos remédios controladores de humor. Angélica Santa Cruz abre seu texto citando os personagens da crise política como reflexo de toda sociedade. Todos eles encararam os depoimentos a base de muito Rivotril, Lexotan, Frontal, Lexapro, entre outros remédios famosos. Depois são dados exemplos de um um corretor de bolsa de valores, uma escritora, um jornalista e um artista – sem esquecer das comunidades criadas por jovens no Orkut.

A matéria mostra que cada vez mais doses baixas desses remédios estão sendo prescritas para aliviar um stress ou para relaxar após um dia ruim. Comenta também o preconceito que existe com quem toma esses remédios para essas finalidades. Acredito que os depoimentos na matéria ajudaram a aumentar esse preconceito. O humorista Chico Anísio, tarja-preta confesso há 20 anos, diz que passou a tomar esse tipo de remédio depois que leu uma frase do escritor Pedro Nara. Estava esperando um exemplo do poder devastador da literatura, mas a frase era a seguinte: “A vida de um homem acaba aos 53 anos”. Ele estava com 53 na época caiu numa depressão profunda. A escritora Adriana Falcão explica que “Há horas na vida que, sem remédio, não dá”. Já o corretor de bolsa de valores é maratonista, toma o remédio só pra relaxar após um dia de muita tensão. Quem acaba sofrendo com esse preconceito são as pessoas que sofrem de sérias doenças psicossomáticas e todos ao seu redor acham que seu sofrimento é fruto de pura frescura e corpo mole.

Os especialistas advertem que o alerta para essa nova febre só serve para casos de abuso, onde a pessoa busca o remédio para desfazer de uma depressão acaba ganhando um vício “infernal”. Lembram que o preconceito deve ser combatido mas que até hoje as pessoas viviam sem tomar esses remédios e que a grande maioria que toma, não precisa. Pedro Bial, outro tarja-preta assumido, questiona por que as pessoas tomam sem discurtir remédios para dor de barriga, gripe e se faz um estardalhaço com os remédios “para nossas pobres cabeças sobrecarregadas”. Trabalhar demais estaria criando uma nova classe de doentes?

Com a evolução desses remédios seus efeitos colaterais quase não existem. Talvez daí tenha surgido essa febre da prescrição indiscriminada por médicos das mais diferentes áreas - o que a matéria não comenta. O pior, uma indicação de uso por tempo indeterminado, ao gosto do paciente. É bom lembrar que esses remédios devem ser tomados com acompanhamento psiquiátrico, onde o médico saberá dizer quando é a hora de parar. Esses remédios não podem ser encarados como os complementos alimentares revitalizadores tipo Centrum. Como se pudesse tomar pelo resto da vida. Não é assim. São remédios que precisam ser cortados uma determinada hora. Está na bula. Usando de maneira consciente, os resultados são incríveis e extremamente benéficos; mas é preciso tomar cuidado para o uso indiscriminado, mesmo em doses baixas, já que as conseqüências desse tipo de uso ainda não são conhecidas.

As discussões sobre o que isso acarreta culturamente são as mais diversas. Surgem questionamentos de como passaremos a encarar nossos problemas. Nos jovens, isso mostra-se mais prejudicial ainda porque supostamente afeta o desenvolvimento de uma personalidade mais madura e saudável de como aprender lidar com as grandes dificuldades e traumas da vida. Jogando a responsabilidade para um remédio, incapacita alguém de rebecer os benefícios de finalmente conseguir ter um grande trauma superado. Sentido o prazer de viver sem ter mais que carregar todo aquele peso, carregado por tanto tempo, em suas costas.