Samjaquimsatva






Aquietando o facho

O Will Oldham, o Bonnie Prince Billy, um dos maiores letristas da música folk atual, lançou um disco ao vivo chamado Summer in the Southeast. Como eu previa, não é bom. Tem a qualidade de ser espontâneo e descompromissado. Dá a impressão de que foi gravado no rancho do Oldham, durante um churrasco com os amigos. Ele ao vivo é meio selvagem, uiva e imita cachorro durante a “Wolf Among Wolfes”. Mas perde sua melhor característica, o intimismo. O que faz parecer que seus discos em estúdio na verdade foram gravados em sua casa, em um dia especial em que ele conseguiu impregnar sua voz com tanta energia, sinceridade e ternura de tal forma que parece impossível de se reproduzir igual uma outra vez. Nos discos os arranjos são perfeitos, abraçam as letras da músicas. Ao vivo rola um descompromisso na base do jam session. Prefiro o Bonnie Prince Billy Sings Greatest Palace Music, onde ele regrava músicas de toda sua carreira em estilo country. Mas é o mestre, então é bom ter.

No mais, tenho postado pouco esses dias. Nada que ando topando me parece interessante ao ponto deu querer compartilhar. É fase, me disseram. Crise por fazer parte da sociedade da informação. Pode ser. Mas parece que cada vez mais é importante saber aonde e no que gastar nossas energias. Tô meio cabreiro com essa agenda dos blogs de serem um lugar de atualização constante. Cada vez mais a internet se parece com a televisão, onde ficamos zapeando os canais por horas sem parar em nenhum lugar. Tenho fugido um pouco desse zapear e me refugiando mais nos livros, onde toda a energia gasta gera uma satisfação instantânea e duradoura. É uma troca de uma mente obsessiva, dispersa, viciada em superficialidade e inquietação por concentração, profundidade, estabilidade, paciência e sensação de relevância. Relevância, palavra complicada. Mas a verdade é que cada vez mais sinto como a literatura é enriquecedora e traz ótimas qualidades embutidas. É contraditório, porque supostamente ela não serve pra nada. Quando tento listar suas qualidades, acabo não encontrando nenhuma, é como se elas se afugentassem. Talvez isso que a faça interessante. Os detalhes escondidos e as menores observações talvez seja o que faz toda a diferença, nos livros e na vida.

Nesse tempo, comecei a ler o Infinite Jest, o mamute de quase 1.100 páginas do David Foster Wallace. Comprei porque tem que ter, nem ia ler, mas já passei da 100. O que me deixou bem feliz. Pensava que seria impossível. O vocabulário é muito rico, as sintaxes bizarras e a narrativa sofisticada demais. O segredo é ir com calma. Ter paciência quando se empaca em algum parágrafo tendo que consultar o dicionário a cada frase. Mas em outros trechos a leitura flue numa boa. Até agora tem sido incrível como ele é capaz de sustentar uma escrita extensa e detalhista tão interessante. Se for assim até o final, se não tiver partes tediosas, que pareçam enrolação ou exibicionísmo enciclopédico sem sentido, vou começar a entender a dimensão da genialidade do David Foster Wallace. Comecei a ler em paralelo o Ruído Branco do Don DeLillo. Depois de passar pelo Ulisses e agora encarar o Infinite Jest, parece que aumentei meu fôlego de leitura. É como na natação, e é bom igual. Comecei o Ruído Branco ontem e parei na 60. Parece ser uma boa alternância de leitura, só que vai acabar bem mais cedo.

Bons livros sempre dão a impressão que chegam no momento certo. Comecei a ler o Infinite Jest com essa dita fase anti-busca-incessante-por-informação. O que é interessante porque a matéria-prima da genialidade do DFW é a própria fragmentação e excesso de informação da sociedade contemporânea. A diferença é que ele transforma absolutamente tudo isso, que seria prolixo e sem valor, em experiência relevante. Através do absurdo do vazio existencial e da incapacidade de seus personagens de sentirem algum tipo de satisfação, ele aponta para o que vale a pena. O que mostra como nada deve ser evitado e tudo é experiência reveladora. Ele é mestre também em sustentar descrições gigantescas do fluxo de pensamentos de pessoas depressivas, viciados em droga, viciados em entretenimento, pessoas transtornadas em geral. Ter entrado em contato com essa forma microscópica de observação do nosso mundo, comecei a notar que cada vez o tédio anda dominando a experiência de vida das pessoas.

Comecei a ver o tédio em todos lugares. É meio desesperador. Ontem na Fnac a mulher do caixa me deu “boa tarde” como uma intonação que quase foi capaz de estragar meu dia. Na faculdade foi surreal perceber o tédio que há por trás da relação professor-aluno. O próprio professor se acostumou a dar aula com ninguém prestando atenção. Ele nem se abala mais com isso, vai dando a aula como um robô até dar o horário. A conversa paralela denuncia a vontade dos alunos de não estarem ali. O tédio. No conteúdo das conversas paralelas, tédio. Uma amiga confidencia: Estou esgotada do meu ambiente de trabalho, não suporto mais, e ainda tenho que vir aqui perder meu tempo. E pede desculpas pelo desabafo. Respondo: Se tá tão ruim, larga, procura outro coisa. Ela: Mais se eu largar vai ser difícil de achar outra coisa, daí o que vou ficar fazendo durante os dias? Disse isso como se o tempo livre fosse a maior das opressões. Trabalho, tédio, tempo livre, tédio. Com os livros é o contrário. Boa literatura é como uma injeção de vida. Apesar de se estar parado, aquilo tudo faz com que a freqüência da pulsação da vida mude, nos enche de interesse e boa vontade para toda e qualquer forma de experiência, não priorizando apenas o que nos atrai e deixando de lado a que não nos interessa.

Acho que continuarei nesse ritmo. Se eu tropeçar em com alguma coisa coisa massa venho aqui compartilhar. Mas preciso vir rápido, senão passa um tempo e já acho que não merece. Que nem ontem quando vi duas velhinhas bem parecidas, de óculos redondor iguais, dentro de um Honda Civic, passando pelo drive-thru do McDonalds, pegando um monte de sacolas de lanches e tentando ajeitá-las em cima do painel do carro. Em plena 22h duas velhinhas sozinhas dentro de um Honda Civic se abastecendo de lanches do McDonalds. Apesar de estarem agindo como se nada estivesse acontecendo de diferente, pareciam ser as pessoas que mais se divertiam em toda a cidade.