Dificilmente será publicado no Brasil um livro parecido com o A Supposedly Fun Thing I’ll Never Do Again. Um livro de não-ficção, com ensaios e artigos jornalísticos, escrito por um um aclamado escritor de ficção, David Foster Wallace, autor de Infinite Jest. Ao ponto de não dar pra saber em qual gênero ele é melhor. A diversidade de temas tratado é o principal atrativo do livro. De David Lynch e os bastidores da gravação do filme Lost Highway ao estilo de vida dos cem melhores tenistas do planeta. De teorias literárias pós-modernas a uma viagem num cruzeiro marítimo. Ele consegue soar especialista em tudo.
O livro vem com sete textos, mas vale o preço só pelo ensaio E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction. Li três vezes as sessenta páginas onde Wallace disseca o significado da televisão em nosso mundo, o impacto em nossas vidas, sentimentos, cultura e então na ficção norte-americana. Nada dos arrogantes clichês acadêmicos que apenas demonizam a baixa-cultura televisiva. O tema é tratado com uma originalidade incrivel. Antes de tudo, Wallace mostra como a linguagem da televisão é extremamente inteligente e sua capacidade de se adaptar as novas tendências é sofisticada, por mais criticável que a tv seja. Ela chega a ser capaz de incorporar essas próprias críticas só para nos sentirmos bem e continuarmos na frente dela. Um exemplo rápido e simples seria a vinheta da MTV “Pare de ver tv e vai ler um livro”. Wallace não fala da televisão como se fosse imune a sua influência. Pelo contrário. Ele reconhece seu fortíssimo impacto nele mesmo, e acaba usando seu virtuosismo intelectual para nos mostrar como até certos trechos de sua retórica estão contaminados por um pensamento viciado condicionado pela televisão. E mostra como isso afeta a literatura contemporânea nos Estados Unidos, deixando ela rasa, cínica e arrogante, não proporcionando nada diferente daquilo que já estamos cansados de ver em nossas vidas cotidianas - uma overdose de ironia, cinismo entre outros elementos que acabaram se tornando a base da cultura moderna.
O ponto alto do ensaio E Unibus Pluram é quando ele comenta sobre a “aura da ironia” do nosso tempo. Oferecendo vários exemplos, ele mostra, como se explicasse para uma criança, como a ironia deixou de ser um mecanismo que servia para denunciar a hipocrisia e o cinismo no mundo e passou a ser o próprio mecanismo da hipocrisia e cinismo. Uma espécia de armadilha em que a “pessoa irônica” sempre utiliza para justificar quaquer atitude, opiniões e sentimentos tacanhos e incompleto. Fala basicamente da década de 80 e 90, mas é como se falasse dos dias de hoje. Foi a idéia mais impactante que li nos últimos tempos. De fazer minha visão sobre vários assuntos mudar. De mudar minha atitude com relação a várias situações que vejo no dia-dia. Wallace acadêmico consegue ser tão impactante quanto na ficção. O livro vale por esse ensaio, que deveria ser leitura obrigatória e urgente para quem tem o mínimo de interesse em qualquer forma de comunicação.
O inglês é difícil. Ele usa a linguagem pesada dos acadêmicos nos ensaios. Nos artigos, o vocabulário é rico e muito divertido, rende ótimas risadas e imagens mentais difíceis de esquecer. O inglês avançado e a linguagem robuscada, no caso de Wallace, parece se fazer necessária. Passa longe do exibicionismo, foca-se inteiramente em passar uma idéia ou sensação da maneira mais completa possível - ao ponto de isso se tornar quase uma obsessão. Por isso é inspirador e faz o esforço valer a pena; a recompensa é valiosa. Sua densidade de inteligêncie é impactante, perturbadora, e, ao mesmo tempo, reconfortante. É interessante perceber sua voz compassiva que há por trás de tudo - dá vontade de permanecer na companhia dela. É um livro diferente, de um estilo difícil mas imperdível, que parece só poder existir aos cuidados de David Foster Wallace e ninguém mais.