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Chuvas de Verão

Assisti o primeiro filme bom da "Mostra Terceira Idade no Cinema" do Canal Brasil. “Chuvas de Verão”, de Cacá Diegues, é excelente. Não tem um pingo dos excessos de brasilidade característico do cinema nacional. É maduro sem deixar de ser leve, descompromissado sem deixar de ser profundo.

A história trata-se da primeira semana de Afonso como aposentado. Sem nada pra fazer, com a vida mansa, ele passa os dias lidando com o que naturalmente lhe aparece: amigos, vizinhança, os problemas da filha, o malandro do bairro, um bandido que se aproxima; pessoas que, sem ele perceber, o mantém vivo e interessado pela vida. Não que houvesse desinteresse, mas lidando com o seu redor, ele permanece aberto, receptivo para as diversas situações da vida. É um retrato sutil de como os relacionamentos mais superficiais do povo brasileiro são ricos e calorosos.

De todas as relações que Afonso (Jofre Soares) estabelece no filme, a mais forte acaba sendo com sua vizinha Isaura (Miriam Pires). Uma relação tímida, que se resume em breves conversas e cumprimentos cotidianos. Depois de descobrir que seu vizinho querido matou uma menina, Afonso recebe uma visita inesperada de Isaura. Tomam algumas cervejas juntos e traçam uma longa conversa sobre suas vidas. A conversa e a cerveja acabam, ele manda o dono do bar trazer mais, colocam uma música e acabam dançando no meio da sala em uma cena deliciosa. Quando a música diz, “faz de conta que o tempo passou”, ele a beija, como se fosse um recomeço. Ela assusta, se afasta. Ele se aproxima, diz o quanto gosta dela, e se beijam de novo.

Atrás da cortina, sem vermos nada, ele tira sua roupa. Ela sai da cortina, apenas de calcinha, e acontece uma cena de sexo que é uma das coisas mais delicadas e bonitas que já vi em um filme. A atuação de Jofre Soares e Miriam Pires, ambos já falecidos, é brilhante, incrivelmente real. Nunca tinha visto uma cena de amor entre pessoas da terceira-idade. E, confesso, não esperava achar tão bonito. É uma cena incrivelmente natural, leve, divertida e cheia da mais pura alegria que só um casal feliz em uma cama podem dividir. É bonito. Vai demorar pra sair da minha mente.

“Chuvas de Verão”, com uma sutileza que é rara nos filmes nacionais, é capaz de causar um turbilhão de emoções sem fazer alarde algum. Tem atuações incríveis, com dois atores já velhos e pelo que parece no auge de suas carreiras. O filme é de 1977. Não deve ser fácil achar pra ver. Talvez o Canal Brasil reprise algum dia. Espero que, por causa dessa indicação, alguém consiga ver. É uma experiência única que, pela riqueza, me faz achar essencial que todo mundo devesse experimentar.