Está sendo uma experiência de velhice ir correr na pista de atletismo da Unicamp. Tudo bem que correr é um esporte difícil, requer muito preparo. Meu amigo Zé Paulo, a.k.a. Zepa, 38, corre 15 km todo dia e demorou 2 anos para conseguir esse preparo. Mesmo sabendo disso a experiência de ir correr na Unicamp está sendo perturbadora.
Hoje um nordestino de no máximo 1,60m ficava dando disparos de 100m. Muito rápido. Depois corria a pista toda, um pouco mais devagar, mas ainda assim, era muita correria. Foi o cara mais rápido que vi por lá essa semana. Havia também dois negrões com mais de 1,80m extremamente fortes, com músculos muito definidos, short de lycra, o que dizia que eram corredores de curta distância. Mas apenas corriam pela pista numa velocidade razoável para eles. Não paravam nunca. Detalhe: sempre conversando.
Além desses, um bonito casal, ambos afros, muito altos e muito magros. Pareciam os quenianos que correm a São Silvestre. Muito magros, porém esbeltos. Pareciam passarinhos de tão leves. Também conversavam. Ela estava mais feliz que ele, mais sorridente, ele mais sério, uma seriedade carregada de humildade. Também havia um cara tatuado, bombado com cabelo e barda idênticos ao do Wolverine. Muito brabo e concentrado. Havia uma mãe de família esportista também, bem saudável.
Como estou fora de forma pra correr, fui num ritmo leve, pra não ficar impossibilitado de correr amanhã. Dava duas, três voltas na pista e caminhava meia. Só a bonita mãe de família corria mais devagar que eu. Foi embora e fiquei junto com os que, acredito, sejam profissionais, ou têm a corrida como inseparável de suas vidas há muito tempo – é um esporte altamente viciante.
Estava tomando voltas e voltas do pessoal, até que vi um senhor de uns 75 anos descendo as escadas que levam à pista. Cabelo e cavanhaque totalmente brancos. Pele enrugada e muito bronzeada. Caminhou um pouco, alongou bastante e começou a dar uns trotinhos de leve. Esqueci da humilhação que vinha sofrendo e fiquei admirado com aquele senhor. Do esforço e da saúde. Ele foi dando seus trotinhos pela pista. Ultrapassei-o uma, duas vezes e caminhei com o coração batendo na garganta.
Até que chega um representante da categoria. Devia ter uns 75 anos, cabelo e cavanhaque totalmente brancos, pele enrugada e bronzeada. Caminhou um pouco, alongou e deu uns trotinhos de leve. Fiquei admirado. Dei uma volta em cima dele, duas e caminhei.
Nesse momento emparelhamos no começo da pista. Já estava bem cansado e com meia camiseta molhada de suor. Uma moça meio gordinha cruza a pista até chegar ao gramado central. Tem um cronômetro pendurado no pescoço. “Vamos lá, Seu Luis?” Diz ao senhor. O que prende minha atenção. Ele para, posiciona o pé pouco antes de uma faixa branca que mal pode ser vista, flexiona os joelhos e fica encarando a moça, que grita, “Vai!”.
Cheguei ouvir o barulho de seu tênis jogando pra trás os pedregulhos que acumulavam na beirada da pista. O velhinho estava num trote impressionante. Corria muito rápido. Com uma postura sólida, fazendo o mínimo de movimento necessário para conseguir aquele desempenho. Fiquei observando até ter total certeza de que não conseguiria acompanhá-lo sequer em meia volta na pista. Ele tava muito rápido. Só parou quando completou uma volta. Conversou com a moça sobre seu tempo, provavelmente, e no sentido contrário deu uns trotinhos pra descansar.
Dei mais uma volta correndo na pisca. O Seu Luiz me ultrapassou como uma bala, no mesmo pique de sua primeira volta. Completei minha volta e decidi caminhar. Seu Luiz novamente passa por mim no mesmo pique. Cansei, subi as escadas e fiquei vendo um pessoal jogando futebol. Bebi um pouco de água e sentei no quiosque vazio. As quadras estavam lotadas. Meu tornozelo doía um pouco, minha panturrilha também, de ontem. Levantei para ir embora e vi a pista de atletismo do alto, com o Seu Luiz acabando de completar mais uma volta a toda velocidade.