Woody Allen está velhinho e não gosto de vê-lo em cena por causa disso. Fico nostálgico. Querendo que ele nunca tivesse envelhecido. Que continuasse fazendo seus filmes sempre meio parecidos, que causam a sensação familiar de estar trocando idéias com um grande amigo. Também não gosto de ver novos atores fazendo seu personagem neurótico. Por essas e outras achei excelente seu último filme “Match Point”, onde ele foge disso tudo. E fico feliz por saber que ele está em ótima forma para continuar fazendo grandes filmes.
Muitos criticam Woody Allen por seus filmes nunca mudarem, o tema ser sempre o mesmo. O que pra mim é um dos únicos casos na arte onde não-mudar é uma boa notícia e até um elogio. Não é qualquer um que consegue a proeza de não alterar o estilo e ainda assim continuar excelente, sem se desgastar. “Match Point” não é mais um desses filmes. A tipologia dos créditos iniciais continua a mesma há 40 anos. Já o jazz antigo que ambienta a maioria de seus filmes dá lugar à opera. Chama atenção logo de cara e dá a dica do que virá pela frente.
A trama se passa na alta sociedade inglesa, onde o ex-jogador de tênis Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) passa a dar aulas ao jovem milionário Tom Hewitt (Mathew Goode). Fica íntimo da família, conhece a irmã de Tom, Chloe (Emily Mortimer), que se apaixona por ele, e a noiva de Tom, Nola (Scarlett Johansson), pela qual se vê tremendamente apaixonado. Ao casar-se com Chloe, Tom tem uma enorme ascensão de vida, já que passa a trabalhar na mega-empresa do seu sogro milionário. Ao mesmo tempo, a paixão por Nola se intensifica, assim como o distanciamento emocional em relação à Chloe. A pressão da escolha entre a vida bem sucedida e segura e uma vida simples mas com muita paixão é tão sedutora de cada lado que ele nunca consegue decidir qual caminho escolher. Vai enlouquecendo, não consegue viver nada direito, até que a necessidade de resolver um problema o faz agir de uma maneira terrivel e extrema.
Woody Allen trata com ousadia o tema das conseqüências de um ato horrível. Muito gente acredita que o que fizermos de ruim um dia voltará contra nós. Que a culpa do malfeitor irá persegui-lo para sempre e que uma espécie de justiça cósmica dará conta de tudo. Allen mostra que, através da sorte e do acaso, isso simplesmente pode não acontecer. Que a pessoa pode não sofrer as conseqüências mais graves de seus atos. É uma idéia um tanto amoral e desconfortante. Fiquei interessado em saber a relação do filme com o romance “Crime e Castigo” de Dostoievski, que Chris aparece lendo no início do filme.
A escolha da Scarlett Johansoon para o papel da amante é perfeita. Não pelos motivo óbvio de sua beleza. No começo até achei que todos os atores estavam indo muito bem, menos ela, que apenas repetia os trejeitos de linda e sexy das fotos de campanhas publicitárias - deslumbrada mais com a própria beleza do que qualquer outra coisa. O sorriso tímido-meigo-adorável é o mesmo de “Lost in Translation”. A postura e inclinação de corpo sexy é quase caricata, uma Marilyn Monroe moderna. Mas aí o bom diretor faz toda diferença, transformando-a na atriz perfeita para o papel. E mostra, ao contrário de sua personagem no filme, que ela é sim uma tremenda atriz. E só melhora até o final, quando tudo fica perfeitamente cruel. Woody me pegou bonito no contrapé.
Apesar da mudança de produtora e de alguns dos seus antigos colaboradores, a fotografia continua impecável. Em especial quando todos estão assistindo a uma ópera. Dá vontade que o filme pare pra ficarmos alguns segundos vendo uma fotografia. É a grande arte da subexposição que tanto gosto e até busco às vezes. A ópera que toca em todo filme combina muito com a história. Até então nunca tinha conseguido ver a beleza de uma ópera. No contexto do filme isso facilita.
“Match Point” marca por ser um grande filme diferente do que Woody Allen está acostumado a fazer. Não há pitada de humor nem tragicomédia pra amenizar as coisas, como em "Crimes and Misdemeanors" (Crimes e Pecados, 1989). É um impactante drama, com uma amoralidade perturbadora, mostrado de uma maneira refinada das grandes obras clássicas. Pode-se dizer que é a volta de Allen com um grande filme, depois de produzir algumas comédias medianas. Entrará para os melhores de sua carreira. O que para seus fãs dá a boa sensação de que ele deveria viver mais uns 50 anos para poder lançar mais uns 50 filmes, e continuássemos sentindo que ele é um antigo amigo cujo reencontro, uma vez por ano, não importa o assunto, é sempre muito agradável.