Um acontecimento traumático invade a vida do protagonista e faz ruir suas certezas e sensações de segurança. A estrutura dos livros do inglês Ian McEwan se assemelha a do norte americano Philip Roth. Só agora notei isso. Sábado, último romance de McEwan, não foge disso. A mudança que houve está na intensidade em como o terror, a desgraça e o sofrimento aflige seus personagens. Uma mudança bem-vinda, apesar de suavizar aquilo que ele faz melhor. Algo que, pra quem conhece, acaba cansando. Fica previsível. Não é preciso querer superar o abismo de tensão d'O Jardim de Cimento. Ou criar um novo Homem-Armário, do livro de contos do Primeiro Amor, Últimos Sacramentos. Já tá ótimo. Que mude. E mudou. Apesar de perder um pouco no ritmo, a estranhezas e inseguranças ganharam uma dimensão mais cotidiana, próxima e real. Afinal, o que uma discussão sobre uma leve batida de carro pode ter de tão trágica?
Henry Perowny é um experiente neurologista e Sábado é a narrativa esse dia em sua vida. Há uma leve lembrança na estrutura de Ulisses de James Joyce, pela concentração de acontecimentos, pensamentos e complexidade esmiuçadas num espaço de 24h. É um sábado marcado pela maior marcha nas ruas de Londres contra a guerra no Iraque. Um sábado que Perowny vai encontrar seus filhos, uma jovem escritora estreante e um desencanado e talentoso guitarrista de blues. E passar bons momentos junto de sua adorável esposa, advogada de um grande jornal. E jogar squash com seu amigo anestesista. Um sábado tranqüilo e perfeito, se não fosse a chateação da discussão depois de uma leve batida de carro. Que gera desde leves desequilíbrios até, claro, as conseqüências mcewnianas bizarras.
Apesar de dominar muito todos os fundamentos da narrativa, o livro até a metade é um pouco chato. Principalmente a longa descrição da partida de squash, que poderia render nuances melhores referentes às emoções únicas que surgem e se embaralham apenas diante ao cansaço físico e psicológico que alguns esportes proporcionam. Depois da metade, o livro engrena. Sendo que no ápice da tensão, McEwan mostra toda sua técnica e faz com que o livro vire um imã em nossas mãos de ferro, sendo impossível de largar antes que seja dado um suspiro de alívio ou uma pausa para digerir o abalo.
Esperava coisas mais interessantes das descrições neurológicas e curiosidades da área. Achei as referências levemente forçadas, devido à quantidade de termos técnicos utilizados para compor o fluxo de pensamentos de Perowne e suas divagações sobre o outro diante seus conhecimentos do cérebro humano. Mas é um bom personagem, concentrado em resolver os problemas ao invés de ficar criando questionamentos e idéias. Um gênio que choca com o de sua filha. Que mostra, mais uma vez, a tortuosa e difícil tentativa de se manter uma conversa amena de pessoas com grande diferença de idade. Nada terrível, apenas o habitual.
Apesar de lidar com temas atuais como o medo de ataques terroristas, o choque cultural ocidente-oriente, as conseqüências da invasão norte-americana no Iraque, o livro não é sobre desesperança de um homem bom em tempos medonhos. Mas de sua luta e tentativas de se manter fiél aos valores morais que acredita. Valores fragilizades quando se vive em um país vulnerável ao terror. É um bom livro e de leitura rápida. Com um final surpreendente e acalentador. Que revela uma leve evolução no estilo de McEwan, uma evolução que me agrada muito, mas que o distancia dos elogios eloqüentes, e merecidos, de quando escreveu seus livros de grande impacto e sucesso, como Reparação e Amsterdan.