Terminei faz um tempo e esqueci de comentar o livro “Desonra” do J.M. Coetzee. Uma coisa é certa: uma obra que ganha o Booker Prize dificilmente é mediana. Coetzee já levou o prêmio duas vezes, em 1983 com “Vida e Época de Michael K” e 1999 com “Desonra”. Pra finalizar, ganhou o Nobel em 2003. E nunca tinha ouvido falar nele.
O livro é muito amargo, quase senti fisicamente mal em algumas partes. A linguagem é enxuta e seca. É como se a linguagem fotográfica fosse adaptada para literatura. Quanto menos se mostra, mais forte é. As cenas fortes do livro nunca são descritas com clareza. Apesar de haver um estupro, a palavra “estupro” nunca é citada diretamente.
É um estilo que transmite com perfeição o contexto sócio-cultural de uma África do Sul pós-apartheid. O amargo que embrulha o estômago não é algo visualmente repugnante. Mas sim a opressão mental imposta e aceita naturalmente pelas consciências das pessoas. O quanto essa opressão pode ser devastadora, ainda mais para quem é esclarecido como David Lurie, o personagem principal do romance.
Percebi mais uma vez certa semelhanças entre esses que são os principais grandes autores do realismo da atualidade, Philip Roth, Ian McEwan e J.M. Coetzee. Cada um tem um estilo, mas a essência de seus livros é muito parecida. No caso de “Desonra” isso fica mais claro. A história é quase idêntica ao “A Marca Humana” (2000) de Philip Roth. Em ambos os livros, um professores de literatura têm um caso amoroso fora dos padrões que marca o início de uma avalanche de desgraças.
Os contextos de cada história são muito diferentes, mas a denúncia de duas sociedades hipócritas é explícita. Cada história segue seu rumo, mas trata de pessoas que vivem situações limites e como uma sociedade comum e aparentemente inofensiva pode destruir vidas com muita crueldade. Após ler muito Roth, McEwan e agora Coetzee, acho que cansei um pouco dessa literatura, por mais excelente que seja.
Ainda sim pretendo ler “Vida e Época de Michael K”, que muito me foi indicado. “Desonra” é obrigação de conhecer. Não tinha visto ainda um estilo tão enxuto e poderoso assim. Um parágrafo de falta de atenção e pode passar batido um baita acontecimento. Peguei-me várias vezes parando a leitura no meio do texto, dando meus próprios espaços para compreender e digerir melhor certos acontecimentos. E dizem que Coetzee nunca repete os estilos de escrita em seus livros.