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Desvarios no Brooklin

É interessante, quando se começa a criar um certo histórico de leitura, como alguns livros parecem surgir nos momentos certos para serem lidos. É como se eles se comunicassem , construindo e expandindo uma experiência única em cada leitor. “Desvarios no Brooklin” do Paul Auster estava quieto na estante fazia um tempo. Terminei na semana passada e me diverti deixando crer na ilusão que alguma força vinda do éter cósmico fez eu esperar o momento certo para lê-lo.

Muita gente se deprime e chega à conclusão de que o mundo e a vida são desprovidos de propósito e sentido. Pode-se até acreditar nisso, mas há outra face mais interessante dessa mesma sensação. A que as situações do mundo e da vida são providos de sentidos infinitos. Por trás de tudo há um universo complexo e impossível de ser decifrado. A vida humana só é rica e bonita por ser uma experiência extremamente limitada. Reconhecendo isso com profundidade, espontaneamente surge uma humildade e abertura que faz com que tudo surja como algo enriquecedor, interessante e leve.

“Não subestime o poder dos livros”. Pois eu estava começando a subestimar, até ler Paul Auster. Renovou meu interesse e admiração por quem concatena palavras e significados que abrem uma brechinha para espiarmos a vastidão das limitações humanas de entender o mundo. Uma perfeição que surge de imperfeições. O livro é cheio disso. Nathan Glass é o protagonista divorciado e sozinho que se recolhe ao bairro que nasceu para esperar a morte chegar. Decide escrever um livro reunindo todas as histórias que viveu e ouviu. Eis o livro – na verdade, o livro dentro do livro. No início a linguagem flui muito bem. É cheio de brincadeiras com o próprio texto, lembrei do Machado de Assis.

Então vamos conhecendo a história de Tom, Harry, Lucy, Aurora, amigos e membros da desestruturada família de Nathan Glass, que ainda assim se apóiam uns nos outros para suportarem as situações da vida sem um total desamparo. Subdivisões das histórias e personagens vão crescendo ao ponto que seu caminhar se torna um pouco chato. Um pouco comum. Engraçado é querer largar e perceber que fortes laços foram criados com os personagens da história.

O desenrolar do meio da história para seu final é surpreendente. Paul Auster começa a amarrar tudo. Todas aquelas histórias de pessoas comuns se tornam importantes e necessárias de terem sido contadas. Tudo que parecia excesso e desinteressante então faz sentido. Em tempos em que nada escapa da ironia, Paul Auster mostra a beleza das pessoas comuns, estranhas, desinteressantes e problemáticas. O final é um crescendo de humanidade que termina pouco antes dos atentados de 11 de setembro. É de tirar o fôlego, o chão, e só deixar um sentimento vivo e flutuante de incrível beleza. Minutos antes da primeira explosão.