Me instiga o esforço de um escritor. Antes de tudo, a dedicação que ele tem com os livros. A quase devoção em conhecê-los, explorá-los, de entrar em contato com eles. Há muito esforço e energia nisso. Um esforço de monge, que lida com uma enorme quantidade de energia sem sair do lugar. Tem que saber o que fazer com essa energia, como usá-la de uma maneira boa que não o prejudique. Parece mais uma necessidade e não uma questão de escolha. Me instiga sua necessidade de comunicação, e ainda mais, quando o escritor supera seus níveis de comunicação. É um trabalho árduo mesmo pra quem tem muito talento. Posso estar idealizando, mas é bem assim que me parece.
Vi como uma forma de superação o novo livro do Daniel Galera, “Mãos de Cavalo”. Houve uma espécie de despersonificação de sua literatura. Um salto da escrita intimista e perfurante para uma literatura mais madura e sofisticada, cujas arestas parecem novidades mesmo para seu autor, que agora vai além da literatura criada a partir de pensamentos íntimos que sempre espreitaram sua vida. É um avanço e tanto, para um escritor de 27 anos, que agora já soa como os grandes e adultos. Aumentou e muito a amplitude da criação literária de Galera. Seu texto está mais denso. O corte cirúrgico e linguagem enxuta deram lugar à descrição minuciosa e preocupação com os detalhes aparentemente irrelevantes, que mostra um forte trabalho de pesquisa do autor. Essa expansão é muito bem vinda. Totalmente diferente do que ele escreveu até hoje.
“Mãos de Cavalo” inicialmente parece retalhos de histórias distintas da vida de um criança, um adolescente e um adulto. Mas trata de recortes de passagens da vida de Hermano. Trechos aparentemente simples e banais vão ganhando laços entre si que explicitam como em vários momentos em nossa vida estão sendo compostos elementos importantes que irão marcar nossa personalidade para sempre. Como é bem dito na orelha do livro, nenhum trecho da narrativa é gratuito. Uma simples partida de videogame mostra-se como uma profunda experiência de formação de personalidade. A experiência do protagonista de ter vivido tudo isso começa a lhe mostrar qual caminho trilhar, ou melhor, como trilhar esse caminho; o que ele pode jogar fora e excluir de sua vida, concentrando-se no difícil desafio que é compreender quem ele realmente é. Apesar do tom pouco otimista, é uma visão de quem olha em direção a uma felicidade bem mais ampla e sólida.
Toda vez que termino um livro que me agrada, depois do sentimento que a história impregna em mim, sobra uma sensação da generosidade do autor por nos compartilhar e proporcionar aquela experiência. Escritores são criaturas extremamente vaidosas, que se preocupam muito com o que irão dizer sobre ele, se vão rotulá-lo e enquadrá-lo de uma maneira extremamente redutora. Isso incomoda qualquer um, mas ainda mais os escritores. Perceber que já não existe nenhum reflexo disso em um trabalho lhe dá uma característica de transmitir uma sinceridade sem rodeios, que toca apenas o essencial, que às vezes faz muito bem entrar em contato.