Não tenho lembrança de ter rido tanto lendo um livro quanto em “Pornô” do Irvine Welsh. Meu irmão se incomodou um dia porque eu simplesmente não conseguia ficar em silêncio durante certos capítulos. Em vários eu não consegui ficar em silêncio. Me diverti tanto que cheguei a achar que ele deveria ser obrigatório nas escolas. O ritmo e a linguagem parecem ser muito atraentes para jovens que gastam a maior parte de seu tempo com televisão, baladas, drogas e algum sexo. Deixando muito claro a dimensão do divertimento que é um livro. Isso não significa que ele é apenas um reflexo da prolixidade e superficialidade da televisão, baladas, drogas e sexo comuns ao nosso tempo. Até é, mas a forma não-preconceituosa com que reflete isso aponta para o que há além desse universo sem causar a aversão que a prepotência de um crítico causaria em quem lê.
Pra quem está por fora, “Pornô” é a continuação do “Trainspotting”, cuja adaptação para o cinema causou uma febre em torno do livro e da cultura retratada pelo Irvine Welsh. Em “Pornô” há o reencontro da turminha de Leith, subúrbio de Edimburgo, dez anos depois. Se antes a vida dos personagens girava em torno da heroína, agora gira em torno da pornografia. O livro narra a tentativa de Simon David Williamson, o Sick Boy, de produzir um filme pornô. De fazer dinheiro com pornografia, que agora é o ramo de quem comanda e dita as novas tendências da cultura pop. O consumo de drogas continua pesado, mas a heroína dá lugar à cocaína – só o Spud não conseguiu largar o vício e continua perambulando pelas ruas com as figuras mais degradantes imagináveis.
Para ler “Pornô”, é imprescindível ler o livro e ver o filme “Trainspotting”. Lembrar das características de todos os personagens e seus rostos potencializa muito a diversão. Se compararmos os livros, achei “Pornô” muito superior. Apesar das quase 600 páginas, não fiquei entediado em nenhum momento, o que aconteceu várias vezes em “Trainspotting”. As características psicológicas de cada personagem parecem muito mais ricas e trabalhadas. O estilo da narrativa em primeira pessoa oferece com muito realismo o ponto de vista de cada personagem. Todos parecem mais ricos e interessantes. O Begbie está muito mais sensacional. Muito mais violento, muito mais paranóico, demente e principalmente muito mais engraçado. Toda vez que eu começava a ler um capítulo e na segunda linha já sabia que era ele, começava a rir e só parava quando o capítulo terminava. Dos novos personagens que aparecem no livro, a mais interessante é Nikki, uma jovem de corpo escultural que é a principal estrela do filme de Simon. É ela quem dá a graça em muitos pequenos insights do livro e uma visão feminina desse universo todo. A construção psicológica dela é um trunfo do Welsh, que há tempos estava interessado em explorar personagens femininos.
“Pornô” me deixou muito interessando em ler outros livros do Irvine Welsh. Principalmente por agora perceber melhor como ele é um grande humanista. Apesar de seus livros serem um amontoado de escrotice, violência e degradação humana, ele no fundo prepara o terreno para que percebamos a existência do aspecto bom das pessoas mais hediondas. Aquele espaço de tempo, que às vezes em uma vida dura poucos segundos, em que a bondade surge dos lugares menos improváveis. Há muita sabedoria e um universo muito rico de significados nesse detalhe. É legal porque ele nunca critica nada, apenas mostra as coisas que fazem parte dos dias de hoje, o lado bom e ruim que facilmente podemos praticar. Mas esses pequenos detalhes convêm a cada pessoa que lê enxergar. O que importa é que Welsh é um grande escritor e oferece um universo extremamente rico e pulsante que nos diverte e faz pensar um pouco sobre o que significa estar vivo nos dias de hoje.