Ao contrário do que as resenhas nacionais disseram, não tem nada de auto-ajuda o livro Joan Didion. Nem é auto-ajuda às avessas, que tranquiliza apenas dizendo que em certas coisas não tem solução. Trata-se apenas de um relato em primeira pessoa de uma escritora que aos 82 anos perdeu o marido que conviveu por mais de 40. Na época em que ele morreu, sua filha estava internada gravemente em um hospital. No livro ela sobrevive, mas morreu meses depois de Didion terminar o livro. Não quis alterar nada. Quando acabou, "está terminado", disse. O livro foi vencedor do National Book Awards desse ano na categoria não-ficção. Vendeu mais de 500 mil cópias lá fora.
Ao narrar o processo da perda e luto, a marca deixada pelo livro é um aprendizado amplo e desconhecido de humildade. A humildade de uma grande escritora e jornalista, que leu e pensou a vida em todos seus aspectos, de admitir que a dor de quem perde uma pessoa querida é um estado que nenhum de nós temos a capacidade de conhecer antes de passar por ele. Isso significa não conseguir sequer imaginar as reações do nosso corpo e mente passando pela situação. A humildade brota por todos os lados. “Por que você sempre tem que ter razão?” Ela lembra quando criticou um livro pela autora “chafurdar em autocomiseração” e só agora, vergonhosamente, ela entendia aquilo.
Outro detalhe rápido no livro que me chamou atenção foi a visão que surgiu na autora, através dos momentos de saudades intensas, da beleza das imperfeições do amor – é como se ela reconhecesse isso com muito clareza apenas agora, quando ele se foi. Ela fala de uma fragilidade e medo do ser humano perante o amar outra pessoa. Em crise reconhecida, ela questiona, em frases breves e despretensiosas, sua capacidade de amar, como se a forma mais profunda de amor estivesse relacionada não com ideais românticos, mas em até que pontos nós nos permitimos amar e aceitar alguém.
O título do livro é bastante compassivo. Tenta, com esforço, ver um aspecto positivo nisso tudo – que Didion durante todo o ano procurou e nunca conseguiu achar. É bonito e ao mesmo tempo dá um nó na garganta quando ela detalha o que supostamente é um último estágio do luto: entender que precisa deixar o morto ir embora. Percebe-se que tudo, até então, eram rituais de pequenas despedidas. Li as 200 páginas em duas sentadas. Linguagem leve, narrativa rápida, sem excesso. Às vezes isso é aterrador, às vezes é bonito, como o parágrafo que separei para terminar o post:
"Somos seres mortais e imperfeitos conscientes da mortalidade, apesar de ficarmos empurrando-a adiante, o que acaba não funcionando devido às nossas próprias complicações. Quando choramos nossas perdas, ficamos tão transtornados, que a gente chora, para o bem e para o mal, também por nós mesmos. Pelo que nós éramos. Pelo que não somos mais. Pelo que um dia não seremos de modo algum."