Samjaquimsatva






Dentes Brancos

Tudo que eu buscava na Zadie Smith eu não achei. Queria ler uma escritora jovem, famosa, talentosa e respeitada. Queria ler uma escritora jovem famosa talentosa e respeitada para ler um livro escrito por uma mulher. Há tempos tava lendo só autores homens. Queria tomar contato com uma voz feminina que pela linguagem da literatura exprimisse uma visão única dos nossos tempos. Vã expectativa. Não achei nada disso. Nada de voz feminina que exprimisse uma visão peculiar dos dias de hoje. Nenhum detalhe que pudesse caracterizar como literatura feminina. Não achar nada do que procurava foi a melhor coisa que eu poderia encontrar.

A primeira coisa que chama atenção em “Dentes Brancos”, livro de estréia da Zadie Smith, é como praticamente todos os personagens têm um peso igual na história. Nenhum é mais ou menos priorizado que outros. Todos são construídos com o mesmo cuidado e profundidade, ficando mais interessantes com o crescendo da interação entre eles. E não são poucos. Acompanhe. Existem dois amigos, o inglês branco Archie Jones e o bengali Samad Iqbal, uma amizade vinda do pós-guerra. Archie casa-se com Clara, uma jamaicana testemunha de Jeová, tem uma filha, Irie. Imigrante da Inglaterra depois da guerra, Samad casa-se com a jovem Alsana, tem os gêmeos Magid e Millat. Separados quando crianças, Magid fora mandada de volta para Bangladesh e Millat cresceu na Inglaterra, Magid tornou-se uma ateísta e Millat um fundamentalista membro de uma seita muçulmana.

As vidas dos membros das famílias de Archie Jones e Samad Iqbal cruzam com a família de um famoso intelectual e geneticista inglês chamado Marcus Chalfen. Sua última grande pesquisa foca-se na criação em laboratório de um Super Rato, modificado geneticamente, para beneficiar os humanos em futuras pesquisas sobre doenças ainda sem cura. A reação de todos diante o experimento vai revelando a complexidade de uma Inglaterra multicultiralista, uma das cidades que mais recebem imigrantes no mundo. É possível ver com um pouco mais de clareza uma complexidade que alguns governantes ocidentais enxergam com uma aparente ingenuidade. Como se desconhecessem que o pior tipo de tortura não é a física ou psicológica, mas a ideológica. Que esse embate é de difícil comunicação.

Zadie Smith escreveu “Dentes Brancos” quando tinha apenas 24 anos, ainda era estudante em Cambridge. Não achar nada do que procurava nela me fez perder o preconceito de que escritora tem que escreve literatura feminina. Um preconceito talvez criado pela minha pouca leitura de autoras brasileiras. Literatura feminina, por si, não tem nada de errado. Algumas fazem com maestria, vide Hilda Hilst. Outras montam sofisticados questionamentos existenciais por serem mulheres. Pode ser belo, mas comparando com a grande literatura, são como belas pinturas das paredes de uma prisão emocional. Mas escritoras, claro, também escrevem literatura. Aquela, com toda organização, profundidade, pontos de vista e completude da com L maiúsculo.