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Malthus

Talvez aconteça só com quem seja novato ou inseguro uma infantil vaidade e certo orgulho intelectual que surge com o hábito de leitura. Se a pessoa lê, às vezes acontece, não é raro. É o pior efeito colateral. Se isso externaliza e os outros percebem, olha o arrogante, e não menos, idiota. O preconceito nacional por leitura é compreensivo. Talvez venha dessa vaidade intelectual o desconcerto que se tem após ler o romance “Malthus”, do Diogo Mainardi, ao se perceber sem a menor capacidade de comentar e compreender o livro. De não saber dizer do que se trata a história, a mensagem, seu propósito. Mais infantil ainda é o alívio quando se descobre na orelha do livro que Mario Sabino também se sente assim, que “mesmo o mais arguto iniciado na arte de puxar orelhas sentir-se-ia em apuros ao ter de apresentar Malthus” e que “isso decerto estava nos planos de Diogo Mainardi, especialista em sofismar o insofismável”.

Sofisma, segundo o Houaiss, é um “argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa”. Sofismar o insofismável. Deturpar o evidente, indiscutível, incontestável. Faz todo sentido. Causa confusão mental ler e tentar raciocinar “Malthus”. Com uma mistura de fantasia, farsa e cotidiano, o realismo fantástico minimalista pós-moderno (he) de Mainardi assombra, parece querer ousar revelar o inconsciente da nossa realidade fragmentada, confusa, onde a incapacidade do ser humano de se comunicar e trocar experiências relevantes numa ampla escala social nunca foi tão grande.

É estranho dizer essas coisas “Malthus”. O livro não mostra nada do dito acima com clareza. Mostra de uma maneira indizível, em um universo quase místico, metafísico, invisível. Ivan Lessa, no excelente prefácio do livro, decifrou muito bem isso quando diz que há uma barulheira infernal nas entrelinhas do livro. E vai além, há uma multiplicação dessas entrelinhas em sobre- e sub-linhas. Entrelinhas, se sabe, não existe no papel, não está lá pra ser visto. Multiplicar o que não existe, veja só. Não fui eu, foi o Ivan Lessa quem disse. A multiplicação se aplica também ao personagem principal do livro, Loyola-y-Loyola, assim em dois, três, cinco, como se fosse o milagre da multiplicação dos pães. Só que o resultado é o oposto do milagre de Jesus. A verdade é que existe um diabo dentro de “Malthus”. E eu não consigo e nem quero entendê-lo. Nem se deve. É necessário cuidado.