Graças a minha namorada bailarina conheci a Companhia de Dança Deborah Colker. Não conhecia pelo nome, mas reconheci quando a cortina se abriu e vi, no fundo do palco, enorme parede colocada a 90º do chão. Recatada que só, a bailarina ao meu lado nem avisou que era tão imperdível. Que se tratava de algo tão vanguarda, tão à frente de tudo, contemporâneo e sofisticado em cada detalhe, na música, na roupa, nos movimentos. Algo totalmente diferente do que eu relacionava a um espetáculo de dança.
A apresentação foi dividida em duas partes. Teve início com "Dínamo", peça montada a pedido da Fifa em comemoração à Copa da Alemanha. Tirando as linhas do campo no paredão e alguns figurinos, poucas coisas automaticamente lembravam um jogo de futebol. Porém, de forma não identificável, as coreografias remetiam à energia e força dos movimentos no futebol. Parecia sem parecer. A distribuição do ritmo das coreografias, a movimentação de palco, alternando solos, duplas e todos juntos, é de um equilíbrio tão bem pensado que fez os quarenta minutos dessa parte inicial parecerem apenas vinte.
No fim da primeira parte, a sensação é de que já se viu tudo. Incrível a complexidade do que acontece no palco, a capacidade de cada bailarino decorar tantos movimentos e seqüências. Mas era apenas o começo. A segunda parte trouxe as montagens "Velox" e "Mix", que fez o grupo ficar mundialmente famoso com as coreografias realizadas na parede com garras de alpinistas. "Velox" exigiu dos dançarinos muito mais energia, plasticidade e força para que tudo parecesse leve, fácil e belo. Três grandes hélices brancas giravam de forma hipnótica em cima do palco. Demorei pra perceber que o ritmo delas tinha relação com o que acontecia no palco.
Quando parecia que estava no fim, as luzes se apagaram e teve início da "Mix". Pra quem nunca viu, é a mais impressionante. Quando a luz fluorescente acendeu e mostrou o paredão gigante com um círculo vermelho no meio, chegou a dar medo. Distorções de guitarra e ruídos entraram como trilha. Percebia-se então as garras grudadas por toda parede azul. Em "Mix" simplesmente todos os limites são ultrapassados. Muita força e movimentos inacreditáveis. Parece que uma outra forma de gravidade atuava sobre o palco. Incrível como conseguem transformar tanta força e energia em movimentos tão bem desenhados.
Se Deborah Colker não fosse tão genial, alguns críticos até poderiam reduzir seu trabalho a malabarismos. Porém, nada em sua dança é banal e convencional. O que vemos é maior, vai além do aspecto visual. O espetáculo como conjunto faz sentido. Dá um prazer muito grande experimentar a beleza das mais diferentes formas e maneiras. É a expressão tão grande do belo que não estamos acostumado a experimentar e talvez aceitar. A beleza dos corpos dos bailarinos e bailarinas, por exemplo, simplesmente não remetem à obsessão moderna do corpo perfeito. Compartilhamos o prazer que seus corpos fortes e saudáveis desfrutam da liberdade de realizar todos aqueles movimentos apresentados durante espetáculo. E nisso quase não tem interferência de gênero e estilo de cada um ali. As coreografias de Deborah Colker conseguem ser a expressão do belo em seu estado mais limpo.