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O último leitor

Duas indicações me fizeram comprar O último leitor do argentino Ricardo Piglia. Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, em uma entrevista dizendo que o livro "é a melhor obra de não-ficção publicado pela editora este ano". E Ubiratan Brasil, do Caderno 2 do Estadão, que em uma conversa me disse que o Piglia é "afiadíssimo".

É mesmo. Logo na página 19 ele sintetiza com perfeição o que entendo por minha experiência de leitor: "Um leitor também é aquele que lê mal, distorce, percebe confusamente. Na clínica da arte de ler, nem sempre o que tem melhor visão lê melhor." Mais adiante, faz a definição última da figura do leitor como sendo um herói trágico, insaciável em sua obstinação de encontrar sentido. Um ser visionário que precisa ler para saber como viver.

Para ilustrar as facetas do leitor, Piglia analisa a relação que os maiores escritores e personalidades do século tinham com os livros. Começa com o melhor de todos, Kafka. É bonito entender que um simples poema do chinês Yan Tsen-Tsai foi o principal responsável por desencadar a experiência de Kafka como escritor. Ao escrever O Veredito em uma sentada, classificou isso como a experiência perfeita de escrever. Segundo Piglia, Kafka passa o resto de sua vida tentando repetir essa experiência, e seus livros sempre carregam a marca do fracasso de não conseguir, assim como a sensação de algo interrompido causado pelo poema chinês.

Na seqüência, Piglia analisa os thrillers, os romances policiais, focando no universo de Edgar Allan Poe. Aqui, o sentido da leitura está na capacidade de decifrar casos. É falando sobre romances policiais que Piglia faz a gente ter uma pequena noção da complexidade e riqueza da mente de um escritor em sua capacidade de criar interpretações e sentidos.

Depois Piglia comenta a relação de Che Guevara com os livros, a transformação de sua experiência interna como leitor enclausurado em si mesmo até se transformar em um revolucionário em estato bruto. É uma interessante análise de como funcionava o interior do revolucionário. Mais a frente, em um conto de Tolstói, comenta o significado da experiência feminina de leitura. Analisa também a origem de Ulisses de Joyce na relação do casal Leopold e Molly Bloom.

O livro é cheio de bons momentos e citações primorosas sobre a experiência interna do leitor. É legal de ler, tendo Piglia a rara característica de conseguir combinar leveza com erudição. Porém, ele deixa claro que não é preciso entender a mecânica da literatura para sentir o prazer de pegar carona na genialidade dos bons escritores.