Samjaquimsatva | |
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A Rola No site da Revista Piauí estão disponíveis algumas das trezentas capas engraçadas de livros que o bibliografo Pedro Corrêia de Lago colecionou em mais de 20 anos de profissão. São poucas, mas é de um surrealismo e bobeira de primeira. Good People A New Yorker publicou um conto inédito do David Foster Wallace chamado "Good People". Bom presente de aniversário. ; - ) Pára-quedas No dia de hoje, 27 de janeiro, há 26 anos atrás eu estava nascendo. Até agora, achei muitíssimo interessante estar aqui com vocês. Agradeço a meus pais. Mister Squishy O jornal alemão Die Zeit publicou uma entrevista com o David Foster Wallace traduzida para o inglês pelo pessoal do The Howling Fantods. Como sempre é muito boa, principalmente porque ele fala abertamente sobre seu processo de criação, comenta as histórias do livro Oblivion e do meu conto predileto do Breves entrevistas com homens hediondos, "A pessoa deprimida". Além de falar sobre corporações, terapias, de como é impossível viver nesse mundo sem sentir dor física e espiritual e o quanto a reação que as pessoas têm para lidar com isso é fascinante e deprimente. Enfim, é o homem, sempre imperdível. Caetano Veloso makes a rock album A New Yorker resenhou o disco novo do Caetano, Cê. Ainda não ouvi - preciso. Só vi elogios. Ray-Güde Mertin Outro obituário que chamou minha atenção semana passada foi o que o Paulo Roberto Pires fez da agente literária alemã Ray-Güde Mertin. Ela era uma das maiores divulgadoras da lingua portuguesa no mercado internacional. Conhecia literatura brasileira como poucos brasileiros. Fará uma falta tremenda. No final do ano passado, marquei um encontro com ela para minha chefe na Feira de Guadalajara. Depois da feira, minha chefe comentou que "ela é incrível, um modelo de tudo que eu desejo pra minha vida". E que se era pra alguma pessoa estar doente em toda feira, a última que viria em sua mente seria ela. Em uma das festas de confraternização entre os editores, dançou salsa a noite inteira. Últimas palavras Para a página de obituário do New York Times, o humorista Art Buchwald deu sua última entrevista. Ele começa assim: "Oi, eu sou Art Buchwald e acabo de morrer". É de fazer qualquer cidadão bambear. Tudo é significante Uma entrevista do Jonathan Safran Foer no Charlie Rose está disponível na íntegra no Google Video. Foi gravada em maio de 2002. Safran Foer estava com 25 anos e seu primeiro livro, Everything is illuminated (Tudo se ilumina, Rocco), o havia lançado no time dos novos gênios da língua inglesa. Engraçado essa entrevista ter me aparecer justamente um dia depois que li o artigo Fail better da Zadie Smith. A entrevista ilustra muito bem várias coisas ditas no artigo. E digo mais: o faz melhor. Confesso que fiquei emocionado com as palavras do Safran Foer e pela conexão que acabou surgindo na conversa entre os dois. Charlie Rose começa perguntando como o livro surgiu. E Safran conta de sua viagem à Ucrânia cujo intuito era descobrir a história de sua família. Nos três dias em que passou na Ucrânia, absolutamente nada aconteceu. Então ele viajou para Praga, onde passou 10 semanas, tempo que levou para fazer a primeira versão do livro. Charlie Rose questiona o que de especial aconteceu em Praga. “Esse é um dos maiores segredos da minha vida", ele responde. E completa: "Só sei que nessas 10 semanas eu fui mais honesto comigo mesmo do que eu jamais tinha sido antes.” E ele não estava pensando em produzir nada. Acabou que escrever era a melhor forma que ele conseguia de permanecer nessa forma de honestidade. Ele conta de uma pergunta que fizeram pra ele sobre inspiração, o que ele faz quando não está inspirado. Ele respondeu: “Nunca em minha vida eu me senti inspirado.” Para ele, escrever não é questão de inspiração. É um ato comum, de um dia comum, onde ele para, senta e tenta ser honesto e se sentir vulnerável. Algo que passa longe de ser uma revelação gloriosa – é um ato extremamente difícil, frustrante e auto-depreciativo. Mas que ele simplesmente o faz. O Charlie Rose de novo no toca assunto do que aconteceu em Praga. Ele tenta responder. Aconteceu um tipo de caso amoroso, onde ele se sentiu mais vivo do que nunca tinha se sentido antes. O que passava em sua cabeça eram os pensamentos mais importantes que ele até então já tivera. Tudo parecia significante. Na verdade – para citar o título do livro – nada do que aconteceu era iluminado, exceto a noção de que as pessoas vêem as coisas de maneira diferente. Para ele, o título tinha haver com isso, com o fato de coisas obscuras se tornando claras. Ao comentar sobre a dedicatória do livro para sua família, fala de novo do aspecto frustrante que é escrever. É um ato que é bonito que acaba se tornando frustrante. Porque ele percebeu que seria através de um livro e de uma história que ele poderia se aproximar o máximo do que ele queria dizer. Ele tentou e se deu bem porque teve a noção de que nunca alcançaria seu objetivo. Mas falhou da melhor maneira possível. Ele queria criar, essencialmente, um simples gesto de uma geração tentando mostrar gratidão por outra geração – algo que seria impossível de acontecer, pois essa geração ou havia sido morta ou já havia falecido de morte natural. No final ele comenta da via de mão dupla que é a literatura. “A mais profunda das interações humanas é reconhecer alguma coisa de você na outra pessoa.” E conta a história de um rapaz que ligou para um programa de rádio onde ele dava uma entrevista que com uma simples frase de agradecimento o fez reconhecer aquilo que o leitor queria dizer - o que ele quis dizer com o livro. E diz que todo o esforço que teve para escrever o livro teria valido a pena por causa daquele simples gesto daquela única pessoa. E desculpem, estou caindo de sono e tudo que escrevi acima foi só uma tentativa de dizer que essa é uma das melhores entrevistas que já vi sobre literatura. Zadie Smith: Fail Better Uma grande romance é uma insinuação de um evento metafísico que nunca iremos entender, não importa quanto tempo vivemos, não importa quantas pessoas amamos: uma experiência de mundo através de uma consciência que não é nossa. E não importa se essa consciência resolve passar o tempo em salas de estar ou na internet; não importa se escolhe como herói um pedaço de Doritos ou a encantadora filha mais velha de uma família burguesa; não importa se recusa-se a usar a letra "e" ou atravessa cinco continentes e duas mil páginas. O que une os grandes romance é o modo único em que eles articulam uma experiência e nos forçam a sermos atentos, nos despertando do sonambulismo de nossas vidas. O artigo da Zadie Smith sobre literatura no The Guardian do último sábado é daqueles textos inesquecíveis onde um grande autor resolve nos oferecer toda sua incrível capacidade de clareza, dedicação e sinceridade para tratar de um assunto - seja ele qualquer que seja. O foco inicial do artigo da Zadie é o fracasso da literatura, o processo falho que é a tentativa do escritor passar a idéia inicial do seu livro para o papel. O que ela acaba fazendo é uma homenagem à obsessão dos escritores para conseguirem construir algo que parece honesto e autêntico para os leitores. Algo que eles nunca conseguem realizar por completo, apenas falham melhor. No final ela comenta como a literatura é uma via de mão dupla, onde o escritor e o leitor tem a mesma importância. E que ler de maneira correta é tão difícil quanto conseguir escrever bem. Mas ela lembra que está falando de uma forma de arte bastante fora de moda nos dias de hoje, a que requer algum tipo de dedicação e doação por parte de seu público. Sonho interrompido por guilhotina Nunca saí ileso de um livro do Joca Reiners Terron. Experimentei com sua escrita as dimensões mais impressionantes de como a linguagem pode criar tantas sensações e significados distintos, tudo condensado em momentos aparentemente comuns. Eu nunca consegui explicar muito bem o que sinto com os livros do Joca. Às vezes acho um trecho belíssimo, releio, releio, fica semanas na minha cabeça, mas quando tento identificar por que aquilo me deixou tão abismado, não encontro nada. Não há nada lá. Então desisto de comentar o livro. Até então nunca tinha me decepcionado com um livro do Joca. Em Sonho interrompido por guilhotina, publicado pela Casa da Palavra – parabéns à editora –, fiquei decepcionado. E de certa forma arrasado. Não por considerar o livro ruim, mas pela excelência em que executa o que propõe. O livro abre comentando o que seria um leitor ideal: um cego parado na esquina de uma cidade grande esperando que alguém o ajude a atravessar a rua. O escritor seria o guia responsável pela travessia. Nesse caso, nosso guia é o Joca. Ele começa a ajudar o leitor, mas o abandona no meio da travessia, o deixa sem ajuda, tendo que terminar o trajeto por conta própria. Não realizei a travessia. Não completei o caminho. Mas aproveitei ao máximo enquanto fui guiado. Depois disso, fiquei sem rumo, estático. Isso porque, como bem disse o Bira do Estadão, esse livro é uma brilhante carta de amor e ódio à literatura. Um ódio e um amor cuja intensidade e peso fazem muito sentido na vida de um leitor. E mesmo paralisado no meio do trajeto, a certeza que me sobrou era que, mesmo sem um rumo, aquele era um lugar bom para ficar. O último conto do livro, “Dia de finados ou historio de um lote”, é um dos textos mais bonitos que já li do Joca. Sou totalmente incapaz de descrever a impressão do conto, onde um autor persegue sua mulher que, acompanhada por outro homem, está prestes a vender todos seus livros em um sebo. Reli esse conto quatro vezes depois que terminei o livro. É de tirar o fôlego sempre. Mas atado a minha incapacidade de comentar melhor o que é um livro do Joca, resta-me o apelo, sem a mínima capacidade de sedução, para que leiam Sonho interrompido por guilhotina. Ainda que ache melhor ninguém nem começar. A Rússia dos Czares em cores Fiquei atônito, hipnotizado e beirando a catatonia por ver uma fotografia da Rússia de 1909 em cores. O autor é o fotógrafo russo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii. Pelo que entendi, ele usava uma câmera especial que tirava três fotos ao mesmo tempo, cada uma com um filtro de cor diferente: vermelho, azul e verde. Depois, projetava esses negativos juntos e saia a foto colorida. Isso mesmo, ele projetava slides coloridos em 1909. O site The Empire That Was Russia traz as fotos de Prokudin-Gorskii da Rússia antes da Primeira Guerra Mundial e da revolução. Retrata igrejas medievais, monastérios, o surgimento das indústrias, a vida cotidiana e os trabalhadores da antiga Rússia. Os negativos das fotos pertecem à Livraria do Congresso dos Estados Unidos desde 1948, mas só agora, com ajuda da tecnologia digital, eles conseguiram deixá-las coloridas. As cores que vemos são as mesmas vistas na projeção de Prokudin-Gorskii. É hipnotizante e de certa forma aterrador ver essas fotos tão antigas em cores. É como se visitássemos uma época que não devessemos testemulhar. Tô viajando, mas me senti meio que fora do corpo, algo bem diferente do que já experimentei vendo uma simples fotografia. A primeira das fotos que vi, e a que bateu, foi a do blog Gridskipper. Mas todas são incríveis. (Dica do Solon) Pessimismo na nova literatura Nos comentários do post abaixo, o Rafael Lima perguntou se eu não acho que tem pessimismo demais na nova literatura de língua inglesa. Disse que não vale responder que tem pessimismo demais no mundo. Fui responder, ficou grande e resolvi postar. Acho que seria simplista demais reduzir esses autores e suas obras como pessimistas. Para mim, eles passam longe de serem pessimistas. Vejo em seus livros uma tentativa de mostrar o que significa estar vivo, o que é ser humano nos dias de hoje. É isso que eles exploram. E uma parte inerente do ser humano é o sofrimento. Então eles mostram isso por talvez por muitas coisas importantes em nossas vidas surgirem de nossas experiências ruins. E todo mundo sofre. É complicado lidar com uma vida que parece ser única. É muita coisa envolvida - ainda mais com uma geração que nasceu tendo a televisão e publicidade fazendo parte de sua vida. Não considero esses autores (acho que falo mais do David Foster Wallace e agora do Jonathan Franzen) pessimistas por eles serem pra mim demasiadamente humanos. Os personagens e situações de seus livros não são sem amor, sem escrúpulos e sentimentos apenas para denunciar o vazio de nossa sociedade, a solidão dos relaciomentos e o materialismo das ideologias. Eles não criam uma história deprimente para denunciar o que é deprimente no mundo. O Infinite Jest é um livro muito triste, assim como o As Correções, mas mostram como as pessoas são capazes de cultivar compaixão, amor e felicidade em um mundo cada vez mais carente disso tudo. Como lidam com isso. Na paisagem mental dos autores, que de certa forma é impressa em seus livros, pode até haver pessimismo. Mas por nenhum momento eles são niilistas. Não é um pessimismo pessimista, se posso dizer assim. Senão nem chegarariam a escrever um livro. Claro que depois dos grandes autores sempre aparecerem uma gente tentando coaptar seus estilos mas acaba virando apenas algo caótico e sem propósito. Não traz nada de novo, no máximo uma crítica daquilo que estamos cansados de ler e ver em todos os lugares. Lembrei de uma frase que escrevi sobre o Mãos de Cavalo do Daniel Galera que pode ilustrar bem o que estou tentando dizer: “Apesar do tom pouco otimista, é uma visão de quem olha em direção a uma felicidade bem mais ampla e sólida." É isso que entendo surgir do suposto pessimismo desses autores. Por isso não os considero pessimistas. Pra mim eles são uma injeção de vida. Se acho um livro bastante triste, ao menos ele me toca profundamente com relação ao sofrimento daqueles personagens. Então há uma troca, a empatia com o sofrimento do outro nos faz sentir mais humanos, menos sozinhos. Mas não é simples comunicar o que um autor quer dizer com seu livro. Às vezes nem eles sabem. Às vezes descobrem no meio do livro. Às vezes depois. É a graça da coisa, essa riqueza de significados. Mas se há algo que caracteriza a boa literatura é estar além de caracterizações. Por isso não é simples de dizer. Os próprios escritores tem que escrever um livro para isso. |
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