Samjaquimsatva






Sonho interrompido por guilhotina

Nunca saí ileso de um livro do Joca Reiners Terron. Experimentei com sua escrita as dimensões mais impressionantes de como a linguagem pode criar tantas sensações e significados distintos, tudo condensado em momentos aparentemente comuns. Eu nunca consegui explicar muito bem o que sinto com os livros do Joca. Às vezes acho um trecho belíssimo, releio, releio, fica semanas na minha cabeça, mas quando tento identificar por que aquilo me deixou tão abismado, não encontro nada. Não há nada lá. Então desisto de comentar o livro.

Até então nunca tinha me decepcionado com um livro do Joca. Em Sonho interrompido por guilhotina, publicado pela Casa da Palavra – parabéns à editora –, fiquei decepcionado. E de certa forma arrasado. Não por considerar o livro ruim, mas pela excelência em que executa o que propõe. O livro abre comentando o que seria um leitor ideal: um cego parado na esquina de uma cidade grande esperando que alguém o ajude a atravessar a rua. O escritor seria o guia responsável pela travessia. Nesse caso, nosso guia é o Joca. Ele começa a ajudar o leitor, mas o abandona no meio da travessia, o deixa sem ajuda, tendo que terminar o trajeto por conta própria.

Não realizei a travessia. Não completei o caminho. Mas aproveitei ao máximo enquanto fui guiado. Depois disso, fiquei sem rumo, estático. Isso porque, como bem disse o Bira do Estadão, esse livro é uma brilhante carta de amor e ódio à literatura. Um ódio e um amor cuja intensidade e peso fazem muito sentido na vida de um leitor. E mesmo paralisado no meio do trajeto, a certeza que me sobrou era que, mesmo sem um rumo, aquele era um lugar bom para ficar.

O último conto do livro, “Dia de finados ou historio de um lote”, é um dos textos mais bonitos que já li do Joca. Sou totalmente incapaz de descrever a impressão do conto, onde um autor persegue sua mulher que, acompanhada por outro homem, está prestes a vender todos seus livros em um sebo. Reli esse conto quatro vezes depois que terminei o livro. É de tirar o fôlego sempre. Mas atado a minha incapacidade de comentar melhor o que é um livro do Joca, resta-me o apelo, sem a mínima capacidade de sedução, para que leiam Sonho interrompido por guilhotina. Ainda que ache melhor ninguém nem começar.