Vocês não acham estranho comparar Daniel Galera a James Joyce? Ou comparar seu segundo livro Até o dia em que o cão morreu, de 100 páginas, com o catatau Ulisses, de quase 1.000? É o que Ricardo Lísias fez na crítica ao livro no Estadão desse domingo (para assinantes). A dica que ele dá é que vocês não precisam ler Daniel Galera – James Joyce, Charles Baudelaire e J.D. Salinger já fizeram melhor escrevendo sobre o cansaço da modernidade. Talvez esse seja o caso da crítica que acaba sendo o melhor dos elogios. Ou de ninguém de ler mais nada além de Kafka.
Quando leio uma crítica de livro no Estadão, quase nunca sinto que o crítico não entendeu o livro. E pra quem é leitor, não entender um livro é coisa mais do que normal. Lísias só não captou tudo do livro – nem sequer escreveu o título certo na resenha. Por isso que a solidão e atitude anti-social do narrador pareceram rasas e, pra dizer uma palavra de gosto dos críticos, pueril. Lísias achou que “o clichê máximo do livro é a tentativa de compor certa juventude sem grandes aspirações”, sendo que o livro é sobre a tentativa de um jovem para compor uma vida de grandes aspirações e sentido.
O crítico também achou que a depressão do narrador é bastante feliz, já que ele toma cerveja e anda de moto. Estranho, ainda mais numa sociedade onde a depressão nunca conviveu tão próxima dos ideais de sucesso, beleza e felicidade que tanto nos hipnotizam.
Até o dia em que o cão morreu é um livro pequeno e simples. Ainda carrega os traços minimalistas e cortes cirúrgicos dos contos de Galera. Logo, é fácil não captar o que há por trás da narrativa. Por isso que o Lísias achou que o livro não traz nenhum tipo de profundidade. Mesmo Galera dando a dica antes do livro começar, com a citação de Georges Bataille: “O que desejamos é trazer para um mundo fundamentalmente descontínuo toda a continuidade que ele pode sustentar”.
Escrever talvez seja o ato que mais pode expor e dizer contra uma pessoa. Um crítico que assume ares de pompa pode estar numa situação mais delicada ainda. Ao menor deslize, seu trabalho torna-se o espelho dele mesmo, ao invés de uma discussão sobre um livro, um filme ou qualquer obra de arte. É normal alguém não entender um livro, mas achei meio desrespeitoso dizer de uma pessoa que se dá o trabalho de escrever literatura com algum grau de originalidade que ela não fez nada além de marketing pessoal.