Muito boa essa matéria no Estadão de hoje sobre um fotógrafo amador de Capão Redondo. Aí está alguém com nenhuma referência e com uma necessidade natural de fotografar.
Periferia pela lente de quem vive nelaGilberto Amendola
Com o dinheiro que ganhava como servente de pedreiro, Ronaldo Camelo da Cruz, de 22 anos, comprava filmes para sua câmera fotográfica, uma velha Kodak. Em seus “rolês” pelo Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, clicava “amigos de quebrada”, familiares e todo o cotidiano do bairro. “Teve uma vez em que acharam que eu estava maluco. Fiquei meia hora fotografando uma cadeira vazia.”
Há três anos, a vida de Cruz era quase como aquela cadeira vazia. Sem agüentar muito tempo nos bicos que fazia, passava os dias na rua ou, como gosta de dizer, “vegetando”. A única preocupação dele era com o filho, Isac, de 5 anos. “Eu não tinha nada. Só essa câmera velha e a vontade de fotografar.” No ano passado, ele soube de um curso de fotografia na ONG ImageMagica, lá no Capão Redondo. “Gostei e fui fotografando tudo o que me chamava atenção.” Algumas fotos de Cruz impressionaram os profissionais da ONG. Como reconhecimento, uma professora emprestou a própria câmera digital. A partir daí, ele registrou flagrantes de sua mãe saindo do banho, closes no pé da namorada enquanto ela pintava as unhas e polêmicas imagens de cápsulas de cocaína sobre um vestido azul com estampa de estrelas.
Quando esse material chegou, o pessoal da ONG tomou um susto. “Cruz tem uma percepção especial da realidade ao seu redor”, afirmou o idealizador da ONG, André François. Rapidamente, o rapaz foi inscrito no Prêmio Porto Seguro, concurso de fotografia. “As pessoas falam das minhas fotos. Perguntam se sigo algum fotógrafo. Mas eu não tenho referência nenhuma. Na minha vida, só fui três vezes ao cinema e li apenas um livro, O Quinze, da Rachel de Queiroz”, diz Cruz.
No concurso da Porto Seguro, foi premiado como fotógrafo revelação. Com o prêmio, R$ 8,5 mil, ele pretende comprar uma câmera profissional e um computador. “Eu poderia ir para o Parque do Ibirapuera e fotografar árvores, mas isso todo mundo faz. Quero mostrar meu jeito, minha realidade”. O próximo projeto dele é fazer um ensaio sobre o cotidiano de Deuclides, amigo da família que sofre de alcoolismo.
Obrigado pela dica, Claudemir.