O fato e o sonho
Se chutasse uma lâmpada mágica nas cercanias do Olímpico pediria ao gênio que me concedesse um único favor: fazer o tempo parar. A última coisa que quero, nesse momento (ouvindo duas rádios ao mesmo tempo e zapeando todos os canais de esporte na TV) é que a final da Libertadores aconteça. Não por medo do Boca Juniors, longe disso. Que venha o Boca, esse Caxias com grife, na descortesia maravilhosa de Paulo Pelaipe. Não tenho dúvidas de que nosso futebol Brasil-Cisplatino será muito superior ao deles, como foi em La Bombonera, a despeito do placar. Quem tem Sandro Goiano não pode sentir falta de Riquelme. Sandro é um benchmarking de jogador do Grêmio. Na Europa, com ele em campo, Kaká jamais ganharia o troféu de melhor jogador do mundo – bastaria um “bú” do volante tricolor pra borrar a cinta-liga do meia do Milan. Kaká casou virgem, logo, teve medo até de mulher até os 24 anos, afinal.
Acontece que essa síndrome de Peter Pan é justificável pois duvido que, mesmo que ganhe novamente a América, a torcida gremista consiga manter o mesmo clima que paira sobre Porto Alegre neste momento. A cidade está elétrica, já tomei dez choques na porta do carro mesmo só tendo tocado duas vezes nela. E me preveni com dinheiro no bolso desde segunda-feira, pois tenho certeza de que não há um caixa eletrônico funcionando em toda a região metropolitana. Porto Alegre está em pane.
O clima de euforia é tamanho que sequer os colorados estão se manifestando. O Boca enfiou TRÊS gols no Grêmio em Buenos Aires, tem uma vantagem monstruosa na final da competição, e nem mesmo isso é suficiente para que nossos rivais se entusiasmem. A corneta colorada é pura bola de segurança, estão dizendo ironicamente que o Grêmio vai levar a taça – uma chave bem arrumada pra caso de derrota ou vitória. O próprio técnico do Inter teve o desplante de falar que o jogo da Libertadores não interfere no clássico do próximo domingo. Esse cara sabe o que é um Grenal? Treinador de futebol tinha que ter aula sobre gauchismo antes de pisar no estado.
O momento do Clube é tão especial que até mesmo Galvão Bueno e Juca Kfouri viraram tricolores. Paulo Vinícius Coelho, a bíblia viva do futebol, chegou a dizer que os jogos do Grêmio, sim, é que são bonitos de ver, contradizendo toda a tese histórica dos “brasileiros” (esse párias), que sempre teimaram em confundir futebol com balé. Na tese de PVC, futebol arte, mesmo, era o do Dinho. Só não falo que os dirigentes do Inter estão calados por que, todos sabem, o Inter está temporariamente sem dirigentes.
Fato é que o Grêmio conquistou o direito de jamais ser considerado morto.
O único que vi contrariar a paixão usando a realidade foi Milton Neves (o marketeiro que mais entende de futebol no Brasil). Disse que mudará seu nome pra Dercy Golçalves Neves se o Grêmio levar o título. Milton Neves usou a lógica, usou os três gols de vantagem do Boca e comparou Riquelme a Tcheco pra provar que, camisa 10 por camisa 10, os argentinos não precisam nem entrar em campo. No fundo, Milton Neves é um sem coração, mas o mais realista de todos os cronistas esportivos. Milton Neves tem na mão os fatos, e nós, o sonho. Impossível saber quem estará certo (mesmo depois do resultado consolidado). Mas, entre os fatos e o sonho, é preferível sonhar.