« Ópio do povo | Main | Mísseis em Cuba, já »

3054

Lembro bem da última vez em que preferi o silêncio. Foi quando perdemos Gabriel. Trabalhava na redação do Terra na época quando a Larissa chegou pela manhã e perguntou se eu já sabia o que tinha acontecido. O semblante dela me congelou a espinha e logo descobri que aquele cara de sorriso largo e inteligência esperta que eu conhecera há poucos meses - e que tinha me cedido esse blog - havia nos deixado de forma abrupta e inexplicável.

Não há como comparar a morte de Gabriel com esse massacre oficial acontecido em São Paulo, promovido pela incompetência do governo mais inoperante da história. Perder um amigo é uma dor lancinante, latente, íntima e indescritível. Ver as chamas do avião da TAM em meio a uma floresta de arranha-céus é revoltante. O elo entre os episódios é que, em ambos os casos, preferi o silêncio. Ontem, soube da notícia logo nos primeiros minutos, tive certeza do tamanho da catástrofe e prometi a mim mesmo que não escreveria nada - meu protesto seria calar. Mas não há como calar.

Em meio a tudo o que foi dito (e antevendo o que ainda será) a impressão mais óbvia continua sendo a mais realista e sensata de todas: Congonhas não suporta mais, Congonhas precisa ser fechado pra sempre. É um aeroporto antigo e cercado de prédios, casas, comércio, trânsito, vida. Congonhas precisa ser fechado urgentemente, virar um parque repleto de flores, árvores, brinquedos pra crianças e um memorial às vítimas de todos os acidentes aéreos que São Paulo já sofreu. Se não podem ser trazidas de volta, as centenas de almas perdidas merecem, ao menos, nosso pedido de desculpas.

Congonhas é o Carandirú da aviação brasileira. A diferença é que, no caso da antiga casa de detenção, o massacre feito no Pavilhão 9 foi suficiente pra sensibilizar as autoridades da época, que implodiram o complexo. Quantos Pavilhões 9 precisaremos assistir, chocados, pra que se feche de vez essa estrutura anacrônica e assassina?

Ando sem esperança. Mas em casos como esse a descrença seria desumana. Me apego no fato de que essa tragédia aconteceu em meio à cidade, na cara de todos, o que pode sensibilizar as pessoas com mais intensidade. No caso do avião da Gol que caiu no ano passado, o local de queda era tão ermo que a imprensa não conseguiu transmitir a dor com vivacidade. As imagens demoraram a chegar e, quando foram divulgadas, eram oficialescas, frias, pareciam mais fotos de um exercício militar do que uma operação para resgatar 154 vítimas da incompetência e do descaso. Desta vez, o cenário de guerra é em meio aos nossos quintais. A cobertura tende a ser mais precisa e sentimental, o que pode impulsionar o início da revolução moral que tanto queremos.

Esperança, amigos, esperança.

| comentários (9)