Durante minha última estada em São Paulo comprei uma lata de caramelos Sakuma em um pequeno mercado na Liberdade. A bala é produzida desde o final do século XIX no Japão, mas o que me atraiu mesmo foi a embalagem. Vermelha e preta, com o desenho de frutas de um lado e um menino olhando pra dentro da lata do outro. Achei que seria uma boa decoração pra minha mesa, acompanhando o kidrobot que recém havia chegado de presente.
Hoje descobri que a lata é uma edição comemorativa de Hotaru no haka (Cova dos Vaga-lumes), animação japonesa de 1988. O filme é considerado uma obra-prima do gênero, contando a história de duas crianças que tentam sobreviver os horrores da II Guerra em Kobe.
Órfãos após um ataque americano e abandonados pelos familiares que estão mais preocupados em salvar sua própria pele, os irmãos passam a viver em uma caverna e lutam pra conseguir comida. Tudo o que conseguem é uma lata de caramelos Sakuma, que passa a ser guardada com rigor. Ao final, a mesma lata é usada pra guardar as cinzas da irmã falecida. Um destino do qual o irmão tão pouco escapa.
Resolvi baixar pelo BitTorrent. Assim que chegar comento, mas já posso adiantar que fiquei em dúvida se como a última bala ou não...
Terça-feira, 15h, desci de casa e os vizinhos já preparavam o quentão. Quase tive que lutar pelos dois últimos fardos de Polar gelada no supermercado da esquina, andando a passos largos pelo corredor pra chegar antes do senhor de camisa polo que há vinte metros vinha com o braço estendido e o olho na maçaneta. No freezer ao lado a mesma comoção acontecia pelas poucas garrafas de Coca-Cola que restavam no fundo da prateleira. Pelo menos aqui no bairro a estréia do Brasil na Copa do Mundo aqueceu a economia local. Sem exageros, a quadra inteira cheirava a pipoca.
Na rua uma horda de trabalhadores dispensados pelo turno da tarde tentava chegar a tempo de ouvir o hino e deixava em chamas o trânsito de Porto Alegre. Eu que pouco vejo, entendo ou converso sobre futebol, resolvi assistir ao jogo da seleção só pela inércia da massa. Contanto que tivesse gritaria e cerveja, a tarde não estaria totalmente perdida. Futebol aqui é feriado nacional.
Tão logo o apito, percebo que tudo não passa de uma grande farsa. Assistindo em 14 polegadas aquele time estático, tocando a bola de um lado a outro em movimentos lentos e geométricos, a única coisa que me veio à cabeça foram cenas de um jogo de futebol Gulliver. Aquele com jogadores de plástico e uma perna frouxa com alavanca pra chutar.Chuta. Mexe o jogador. Chuta de novo. Derruba um dos bonecos ao tentar tabelar. Mexe o jogador. Chuta muito forte e a bolinha sai de campo. Longe.
Um jogo parado, entediante, e impossível de prender a atenção por mais de alguns minutos. Isso pra mim foi a atuação verde amarela contra a Croácia. Até porque Futebol Club Gulliver não chegava aos pés da emoção do botão - aquela pequena tampinha verde de três camadas deslizando a mil pela lateral do campo ensebado pra fazer o gol. Isso é o que eu quero ver.
No próximo domingo recusarei convites pra assistir a partida. Vou aproveitar o vazio pra correr nu pelo meio da rua, ouvindo só de longe o zunido das cornetas. Meus dois centavos? O time não passa das oitavas.
Em tempo:
1. Mas que beleza essa camisa da Croácia, ehim?
2. Porque diabos o "dia do futebol" ainda não é feriado no Brasil?
As fotos da festa de ontem estão no flickr (requer cadastro e autorização como "amigo").
Depois da eficiência do post anterior, pelo qual várias pessoas conseguiram identificar o filme como sendo o neozelandês Navigator (1988), comecei a lembrar de outras cenas que também não faço a menor idéia de onde saíram.
Desse tenho pouquíssimas lembranças. Sei que é um filme infantil, possivelmente do final da década de 80 - início de 90. A história tem dois irmãos, um deles (o mais velho) some de repente, e o outro vai à sua procura. De alguma maneira o garoto chega em um universo paralelo/submundo/porão da cidade para onde vão todas as coisas perdidas. Não lembro de mais nada - tudo que sei é que NÃO é o Labirinto.
Pensando bem, deveria existir um serviço dedicado a isso. Ligue e diga "ahhh, tem um cavalo branco e alguém gritando AVAST!" Sucesso imediato.
Com a proibição das chinelagens dentro da FABICO, os formandos desse semestre estão organizando uma no Beco. É nessa próxima quinta-feira, dia 8, e custa R$ 6 como o nome na lista. Estarei no som, junto com Saulo, EGS, Mereu e Cardoso.
Mandem seus nomes para formandos01@yahoo.com.br e dancem.
Existem alguns filmes que assisti durante a minha adolescência que gostaria de rever, mas dos quais não tenho qualquer informação a não ser algumas cenas espalhadas aqui e ali.
Fiquei sabendo recentemente que um deles era El Día de La Bestia, filme espanhol de 1995 sobre um padre que descobre que o anti-cristo vai nascer na noite de natal em Madrid. Transtornado, usa drogas, mata velhinhas e escuta heavy-metal para conseguir contatar o diabo e descobrir o lugar exato do nascimento. Um belo filme do diretor Álex de la Iglesia, recentemente nos cinemas com Crimen Ferpecto.
Mas tem outro dessa série de filmes que tem me deixado inquieto. A história se passa na idade média, em uma pequena comunidade de mineiros que está sendo dizimada pela peste. Tem um barco negro, e tudo é meio vultuoso e escuro.
Nesse vilarejo um garoto começa a ter visões de torres de uma igreja branca, e então eles juntam um grupo de pessoas para cavar um túnel. Vão cavando até que chegam a um complexo de galerias de esgoto de alguma cidade. Saem à superfície e se deparam com o futuro ('90), carros, televisão, e todo o mais. No final chegam à igreja, sobem na torre e um deles cai e morre (será?).
Tenho a impressão que também é uma produção espanhola, mas pode ser que seja tudo um elaborado sonho da minha infância. Alguém conhece esse filme?
O velho senhor solta uma risada quando perguntamos se é Karoly. Diz que gosta quando o chamam pelo nome errado. "Me faz parecer outra pessoa," revela um sorridente Károly - assim, com a tônica na primeira sílaba como na maioria dos nomes húngaros.
Três anos atrás o mesmo senhor passava por um grupo de jovens que bebiam e comemoravam algum aniversário no bar da Wilma, aquele estrategicamente localizado nos arredores da faculdade de comunicação da UFRGS. "Argh, vocês precisam conhecer o restaurante A Canga," revelou com um forte sotaque aos presentes, perplexos por aquela aparição de repente.
Tão logo chegou, voltou para a rua escura, deixando as pessoas na mesa imaginando o que poderiam comer no tal restaurante. Após uma e outra suposição, surgiu novamente detrás de um muro e disse que lá encontraríamos o melhor pimentão recheado do mundo. Estava criada a lenda.
Hoje Károly confirma que, mesmo após diversas viagens a Budapeste para experimentar a comida de lá, o seu pimentão recheado continua sendo o melhor. A rivalidade culinária é característica entre os Magyars. "Mas não adianta só ser bom, as pessoas tem que aceitar a comida também," garante o dono do restaurante aberto desde 1967 em São Sebastião do Caí, a 60 km de Porto Alegre.
Como muitos dos imigrantes húngaros espalhados pelo mundo, Károly Cvitkó veio para o Brasil fugindo da invasão russa em 56. Morava na região de Szeged, ao sul do país, cujas bucólicas paisagens ilustram murais nas paredes do restaurante. Hoje administrado pelo filho, A Canga serve um cardápio fixo - um pequeno retrato de suas origens no leste-europeu.
A refeição inclui uma entrada de AprólékLeves (sopa preparada com carinho, na tradução literal), Töltött Paprika (o tão famoso pimentão recheado) e Rántott Csirke (galinha empanada) servido com batatas. Para a sobremesa, um pouco de Fagylaltos (sorvete) em cima de um pedaço de bolo. Uma comida farta, bem acompanhada por vinho ou até uma dose de grappa.
A sopa, feita com miúdos de galinha e uma massa caseira ralada, tem gosto semelhante ao do capeletti italiano. O pimentão, recheado com carne e arroz, é servido em um molho agridoce a base de paprika. A galinha empanada... bem, é uma galinha empanada, com um leve toque defumado.
Por falta de comparação é difícil dizer se realmente é o melhor Töltött Paprika do mundo, mas que merece uma visita com certeza merece. A refeição custa R$ 17 por pessoa e o restaurante está aberto para o almoço nos finais de semana e feriados. É bom reservar lugar pois o movimento geralmente é intenso.
Restaurante Húngaro A Canga
RS 122, KM 09
São Sebastião do Caí, RS
fone: (51) 3536 1461
Em medida conveniente para um ano de eleições, a NET, operadora de TV a cabo no país, deixará de transmitir canais livres no seu novo sistema digital. Emissoras como a TV Senado, TV Câmara, UNI TV e o Canal Comunitário serão afetadas por essa decisão e estão fora da programação.
Segundo informou o assessor de comunicação da companhia no início dessa tarde, a NET continuará transmitindo esses canais, porém apenas pela via analógica. "Se o cliente quiser assistir a TV Senado e esses demais canais, terá que desligar o transcoder digital da NET."
As operadoras de TV a cabo têm sua concessão condicionada pela Lei do Cabo, de 1996, que obriga a disponibilização de alguns canais básicos de utilização gratuita. Como ainda não há regulamentação para a TV Digital, não existem dispositivos legais para garantir esses canais no novo modelo.
A Folha deste domingo traz a notícia (link para assinantes) de que o governo do estado de São Paulo estaria estudando a possibilidade de vender os dados e informações pessoais dos cidadãos paulistas para a inciativa privada. A medida, de acordo com a Secretaria de Economia e Planejamento, teria como objetivo garantir a modernização do sistema de armazenamento de dados da população.
Em contrapartida, tal privatização permitiria a comercialização dessas informações, "que poderão ser repassadas para bancos, administradoras de cartões de crédito e redes de magazines e telemarketing." Hoje as mais de 40 milhões de fichas são mantidas em papel, e não há qualquer integração entre bancos de dados.
A informatização desses bancos de dados é de fato necessária, e garantiria uma maior eficiência para os órgãos de segurança. Porém abrir a possibilidade de exploração deles para fins comerciais é um claro absurdo, além de inconstitucional. O projeto fere os direitos à privacidade, sigilo de dados e poderia até resultar em discriminação por causa de informações contidas nos registros.
O Art. 5º, parágrafo XII, da Constituição Federal diz que:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Não sem espanto, o projeto tem apoio do atual govenador Cláudio Lembo (PFL). Caso seja aprovado, tenho pena daqueles que passarão a receber ligações oferecendo financiamentos e planos de previdência privada de hora em hora.
Oferecendo o melhor, o único e o inesperado há 158 anos.
Cheguei no catálogo do Hammacher Schlemmer intrigado por uma máquina a la ghostbusters que captura 1200 mosquitos por noite. Acabei encontrando a melhor foto já usada na história da publicidade, fiquei muito afim de investir em um chapéu com ventilador movido à energia solar, e a única definição possível pra isso seria obesidade - vestindo um robe turco genuíno, obviamente.
Para fugir do mundo, quem sabe uma ilha particular inflável?
Observação para o Träsel: as palavras em vermelho são links que te levam a outras páginas, com fotos e descrições dos produtos estranhos sobre os quais estou falando.
Caché: oculto; secreto.
Georges apresenta um programa de crítica literária na televisão; sua mulher Anne trabalha em uma editora. Ambos bem sucedidos exemplares da burguesia francesa, preocupados que no almoço daquele dia faltou algum toque especial. Talvez o vinho não fosse a escolha mais apropriada, ou quem sabe a fita VHS que passa na sala ao lado revela que tudo aquilo está errado. São imagens de uma câmera estática, capturando a fachada de sua casa e o ir e vir da família, que começam a deixar o casal transtornado. Surge o caché, aquele que está oculto e em constante vigilância de suas vidas.
Dirigido pelo alemão Michael Haneke, que já realizou o belo A Professora de Piano, Caché (2005) apresenta ao espectador o retrato de uma raiva latente na sociedade francesa. Por um lado ricos descendentes, por outro imigrantes cada vez mais marginalizados. Uma estrutura em ebulição que começa a queimar carros nos subúrbios de Paris e levar às ruas uma juventude que reclama sua identidade.
Em um primeiro momento até é possível encontrar inspirações em Lost Highway, de David Lynch. O filme de 97 apresenta um argumento semelhante ao usar fitas da vida do protagonista como elemento perturbador na trama. Mas logo vemos que Caché não é tão francês quanto o primeiro, limitando as possibilidades de escape no roteiro e construíndo uma narrativa linear, circunscrita. Não alheio à sua vontade, coloca todo o foco nas questões sociais.
Ao contrário do que muitos esperam ao sair do cinema, a pergunta de "quem" faz as fitas é irrelevante, porém o porquê do seu aparecimento garante a história. Os pequenos retratos de vida em VHS são elementos narrativos assim como sonhos ou imagens documentais o seriam (como usado por Tarkovski, por exemplo). Reforçam a necessidade de encontrar uma identidade nos protagonistas, e de confrontar suas existências diante da morte.
Segundo suas próprias palavras no filme, Georges e sua família estão sendo aterrorizados. O uso do 'domínio do terror' para descrever a situação criada pelas suas próprias lembranças garante uma interessante análise do estado das coisas na França. Um passado que o leva a tratar com explosão o homem negro que passa na rua de bicicleta e a ter medo dos argelinos quando diante da calma do diálogo proposto.
Ao final, a morte para um é nua e pacífica enquanto o sangue jorra em um pequeno apartamento da periferia.