Em meio à planície semi-árida, um bosque de olmos serve de cenário para mais uma luta em Herói.
Debaixo de uma leve chuva do ano 221 antes de Cristo, dois guerreiros jogam Go na província chinesa de Qin. As peças de pedra são posicionadas no tabuleiro com a leveza e precisão da espada, cedendo territórios de um lado para conquistar outros nas casas adjacentes. Em um simples espaço de dezenove casas por dezenove casas, a concentração e a disciplina dos adversários são confrontadas ao toque do guquin, cinco cordas soando melancólicas sob os dedos de um ancião.
O preâmbulo da primeira cena de luta de Herói (Ying xiong, 2002), que chegou às telas brasileiras nesse mês, introduz o equilíbrio em uma simbologia presente durante todo o filme. Apesar do contraste, o balanço entre as cores; apesar da batalha, igualdade de forças; apesar da ruptura, a unificação dos territórios chineses diante de um único estandarte. Nossa terra.
A história se passa durante o Período dos Estados em Guerra, no século 3 a.c., quando um oficial sem nome (Jet Li) é chamado diante do monarca de Qin para contar como conseguiu derrotar, sozinho, os três maiores inimigos do reino. No estilo de Rashômon, do Akira Kurosawa, as batalhas são contadas em flashback e marcadas entre si por fortes variações de cor. Ao desenrolar da trama, azul, vermelho, verde e branco determinam mudanças de personalidade e de perspectiva, além de garantir ótimos elementos visuais.
A produção contou com um grosso orçamento de 30 milhões de dólares, o que permitiu o amplo uso de efeitos especiais, além de uma liberdade estética que faz com que Herói seja elevado ao mais alto patamar das artes. No que está sendo considerado um dos filmes mais belos da história do cinema, Yimou Zhang, que também dirigiu Lanternas Vermelhas (1991) e o recente Clã das Adagas Voadoras (2004), agracia seus espectadores aliando a leveza dos movimentos da luta com o esplendor de pitorescas paisagens do centro-leste chinês.
Ainda que muitos enxerguem a posição de unificação defendida por Herói como uma maneira de justificar os excessos do império, sinto que é no abandono da espada que se encontra a tônica do filme. Unificar para buscar a paz, e não para exercer o domínio, salienta ao confrontar o impressionante balé do espadachim com o mecânico e monstruoso avanço dos exércitos do rei. De toda forma, um filme digno de ser visto e apreciado na sua essência. A arte da simplicidade oriental, disposta em movimentos, cores e formas do equilíbrio.