O carro segue por uma rua deserta, ninguém fora de casa numa madrugada de segunda-feira, muito menos tão longe quanto estávamos. O ativa da esquina marca quatro, mas o frio passa em um borrão, não enxergamos muito além da fabrica ao fundo. Apenas fumaça e micro explosões na noite. As estrelas vieram antes.
De cima do muro da rua posso observar os patos. Eles quase não se mexem, ali, flutuando no ritmo das ondas, esperando o melhor momento para dar o bote.
Disclaimer:O que se segue é um relato um tanto sem sentido escrito no calor da hipongagem, o que motivou vários comentários de 'não entendi absolutamente nada'. Fico feliz quando isso acontece, mas se alguém realmente quer saber o que rolou naquela noite de segunda-feira, visite o blog do amigo Saulo, ou contente-se com a explicação 'ganhamos vinte reais para figurar de fã na frente de uma festa, gastamos tudo em cerveja e fomos vagar pela zona sul no meio da madrugada para conversas aleatórias sobre o NADA ABSOLUTO'. Esses podem sair do blog assim que verem a illustração bacana que está logo ali abaixo.
Para os demais, peguem uma cadeira e sintam-se em casa. Lembro que o gintônica e a polenta não estão incluídos e serão cobrados à parte.
NOVE HORAS E TRINTA MINUTOS
Era um trabalho simples, tivesse o sujeito voz para segurar gritos insandecidos durante uma hora. Vinte Reais e mais alguns chopps e estávamos comprados. Pedir autógrafo, tentar tocar no cabelo das mulheres e alternar gritos de Í-DA-LO e ME DÁ TEU TELEFONE, enquanto pequenas máquinas de mão piscavam flashes alternados. Tudo cena. Simplesmente fãs.
As pessoas começavam a chegar no evento com suas mais belas roupas; figuras típicas de uma burguesia interiorana. Sorriam, passavam correndo, ou paravam alimentando uma tensão constrangedora. Afinal estávamos ali provando nossas piores raízes de chinelo, a mochila fabicana ainda nas costas berrando VALE. Não bastasse a hora, negociamos mais vinte minutos por um punhado de risoles, devidamente servidos nas catacumbas adiante.
Três lances de escada chão abaixo e estávamos num ermo desconcertante. "Sente-se que lhe trarei leite, ou quem sabe tâmaras", imaginaria o mais fértil. Que outro motivo para a cama em vinil preto no meio de tudo, pedindo orgias dignas dos mais proibidos folhetins de eras vitorianas?
Comemos os ditos, sorvemos chopp quente e salgado, e recebemos a quantia devida - momento até o qual alguns ainda duvidavam do cumprimento daquele acordo de cavalheiros. Com o dinheiro planejavam entrar no show da Graforréia, porém outros, e nessas eu incluso, juntariam seus oitenta para o que deve ser considerada a noite mais bizarra dos ultimos tempos. Ou simplesmente uma ótima maneira de começar a semana.
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Estranhamente gelada era a única descrição para a cerveja de freezer desligado na Dona Wilma. Podia ser o frio que começavamos a sentir, daqueles que dizem "chega, vá pra casa". Mas a música não era essa, e na cabeça batia Gizele, assim mesmo com Z, ecoando músicas da Madonna em traduções mais que literais. 'A vida é um mistério', gritavamos em ritmo pop, de olho pra que nenhum morador jogasse mais pedras do que as que já estavam aos nossos pés.
Pois a segunda coisa que um grupo de pessoas faz quando tem um punhado de notas sobrando no bolso é procurar maneiras de transcender aquele espírito de segunda-feira. SEGUNDA-feira me salienta o colega ao lado, desconcertado com o estado lastimável da criança.
INTO THE DARKNESS
O tigre começou a latir. Está escuro, e as árvores do bosque fecham o caminho até a casa. Por entre galhos já são estrelas e não núvens e coberturas de prédios que vemos. Brilham forte pra um dia na cidade, se é que ainda estamos nela. Em momentos o nada é absoluto, e a única pista de direção o rufar dos pés no chão de barro que já não parecem cinco, mas talvez quinze, talvez trinta.
A construção copiada dos estilos de Gaudí se sobressai entre a sobriedade daqueles arredores. São dois andares brancos com eventuais detalhes de mosaicos, paredes curvas e o cimento pingado tal qual um guri fazendo um castelo de areia. Terraço, espelhos na sala de dança, e uma piscina térmica em vias de ser talhada na pedra. Imgaino fogo, muito fogo, enquanto o fiel residente apresenta fotos suas, nu, coberto com MAGMA.
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A estupefação no grupo era geral, talvez pela cerveja em demasia ou pelo aroma do cachimbo que repousava no canto da sala, ainda queimando. Sentado no sofá estava eu feito um espectador, vendo aquela pessoa exaltar conquistas e projetos que nunca saberemos ao certo. Um realidade crua, ditada aos brados naquele palco que se tornara o cômodo.
A qualquer momento eu esperava a luz cair, as cortinas se fecharem, e o público se levantar em êxtase para aplaudir o artista com BRAVO. Grita. Pisa no chão e levanta os braços, agonizante. De certa forma estavamos interagindo e modificando a situação de cena, os comentários de um retrucando a vivacidade daquelas afirmações do ator. Mas tudo foi e veio e os panos vermelhos nunca se fecharam.
Foi quando fiquei meio de canto, com um olhar entreaberto e a cabeça levemente inclinada para o lado direito, que percebi a loucura de toda a situação. Louca, porém de uma beleza digna das mais disputadas telas. Pois amante da imagem que sou, não poderia deixar de visualizar tons e meio tons entre momentos e outros de puro nada.
O tigre comçou a latir de novo.
MOMENTO EM QUE O GRUPO DE AMIGOS PERCEBE QUE NADA MAIS FARIA SENTIDO
Os pés roçam o chão batido da rua que leva à praia. Por um instante litoral, mas as luzes azuis e a visão da fábrica ao fundo nos lembram que não estamos nada além do urbano. E é essa admiração crua do industrial que explica qualquer existência. Não buscamos no verde, mas no petróleo que brilha na água nosso único arco-íris.
E de repente essa própria passa a ser questionada. 'Realidade pra quê' gritam quase sóbrios. Porque simplesmente não poderíam ser patos aquelas manchas brancas perto das pedras. O único branco é o das pombas, sentadas imóveis no concreto que beira o cinza.
O carro corre por ruas vazias e minha cabeça encosta exausta sobre o vidro. Tenho fome, mas os arcos do urbano estão fechado. Afinal, é apenas uma segunda-feira.
CENA FINAL, EM QUE OS AMIGOS SACIAM SUA FOME COM POLENTA
Pois por um momento até cogitamos entrar no bingo. Mas àqueles que nos viram, que sirvam as batatas. Resta apenas um agradecimento à todos por surrealismos que certamente entrarão nos anais do bizarro.
A ilustração é da Carson Ellis