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Outono.

Pela janela a paisagem já começa a queimar. O sol de fim de tarde reflete o parco amarelo nas árvores que, ainda verdes, compõe um bucólico cenário campestre. Eu queria montanhas, mas essas estão mais ao norte.

Estou num trem indo visitar alguns amigos que ainda moram no sul da província de Ontario - lugar onde passei minha infância e por qual nutro verdadeiro carinho. Mesmo entretido pela paisagem, as próximas quatro horas de viagem parecem promissoras para voltar a escrever no blog e tentar contar um pouco do que anda acontecendo em terras estrangeiras. Nessa semana completei um mês longe de casa e, pelo que consta nos autos de viagem, estou é levando a vida boa em Montréal. Assim mesmo com acento, pois ainda não cruzamos a fronteira do Québec.

Para aqueles que não fazem a menor idéia do que se trata tudo isso, e nem se darão ao trabalho de ler os posts abaixo, vim para o Canada para estudar um semestre na Concordia University e apreciar um bom chocolate quente em invernos de -40 graus. Mas falo sobre isso mais adiante; por ora: Capítulo primeiro - A casa amarela.

Uma das maiores dificuldades na primeira semana na cidade foi encontrar um lugar decente para morar, especialmente com minha limitação de preço. Topei por tudo, desde repúblicas de hippies maconheiros até nudistas procurando um terceiro para compartilhar o seu espaço. Em todos uma constatação: estudante é um bicho sujo.

Não é de se impressionar que a primeira "chamada de realidade" foi a faxina da casa. Esfregar chão e paredes, limpar vidros encrostados com camadas e mais camadas de gordura e pó. A impressão que ficou é que os antigos moradores nunca haviam se preocupado com tal. E o interessante foi que ouvi isso de todos os brasileiros que conheci por aqui, será que somos só nós os fanáticos por antros limpos?

Estou dividindo um apartamento à beira do bairro Ville-Maria, região centro-leste de Montréal, com um americano e um canadense. Não é dos melhores lugares pra se viver, mas a proximidade do metrô e o aluguel baixíssimo (CAD $200 por pessoa) acabam compensando o chão levemente inclinado e o grafite alienígena na entrada.

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(1) Derek é americano natural do Connecticut e estuda ciência política na Concordia. É também o responsável por manter a geladeira sempre abastecida de latas de Guiness, bacon e o eventual crêton (patê de porco amplamente consumido por essas bandas). (2) Nick, ou Nikolas, é québequois formado em teatro prematuramente. Enquanto não arranja um emprego no governo canadense, leva a vida às custas do pai e da eventual dança erótica nos bares do Village. (3) Eu sou o mais velho dos três e as vezes cozinho um arroz com legumes e faço cara de cafajeste como acusa a foto. Se alguém quiser nos mandar um cartão de natal - daqueles que tu abre e toca musiquinha -, me passa um e-mail que retorno com o endereço.

Entre as coisas intrigantes do Canadá está a maneira com que as pessoas se livram de seus pertences: deixando na esquina de casa. Dumpster diving é um trunfo para pobres estudantes como nós, e foi o que mobiliou grande parte da sala e do meu quarto entre sofás, poltrona, cadeira e estante, tudo encontrado nas calçadas do bairro. Tivéssemos carro teríamos tentado as regiões mais ricas, onde "só paro pra sofá de couro" seria o lema da incursão.

A segunda chamada de realidade é, como previsto em posts anteriores, ter que cozinhar diariamente. Estou mais magro, isso é fato, mas aos poucos tenho tentado evoluir além do supracitado arroz com legumes e da sopa campbells com pão e tomate. Sim, evoluindo tanto que hoje, na correria de chegar a tempo na estação, tive que recorrer ao clássico carne + purê + cenoura, congelados obviamente. Enfim, a comida merece um post a parte e é tema do segundo capítulo que virá a seguir.

Trilha sonora do post: Gotan Project - La revancha Del Tango.