No início da semana passada fui dirigindo até Melo levar meu avô a negócios. Com o intuito de comprar o Uruguai, saímos cedo pra conseguir voltar no mesmo dia e colocar a capa nova do insanus no ar (viram que bonita?). A cidade, que fica logo depois da fronteira em Aceguá, é capital de estado mas tão pequena que no inverno o banco só abre depois do almoço. Sem problemas, tenho que respeitar um país onde a população come um pedaço de carne, e apenas um pedaço de carne, ao meio-dia.
No caminho de volta, depois de encarar a Maior Tempestade De Todos Os Tempos com direito a chuva de raios, céu roxo e um dilúvio de água que transformava os carros na contramão em grandes clarões de luz - chuva que provavelmente caiu em razão da nossa tentativa de fincar bandeira em solo estrangeiro, também conhecido como bad karma -, me vi no meio de um comboio e fiquei intrigado pela dinâmica que move um grupo de automóveis na estrada.
Estávamos sete ou oito carros andando a uma velocidade fixa, ultrapassando em conjunto e criando uma unidade que impunha respeito a qualquer veículo mais lento. Pode ser uma coisa masculina, mas a formação daquele grupo exercia uma grande atração, fomentando ao mesmo tempo sentimentos de segurança e valentia ao motorista que integrava o comboio.
É interessante como um grupo de pessoas que não se conhecem, representados ali apenas por carros cujas cores pouco se diferenciam na noite, passam a obedecer uma série de regras não declaradas que parecem inerentes a esse tipo de formação: a velocidade é mantida estável, nunca muito acima do limite estabelecido, e, desde que seguida a regra número um, em hipótese alguma um carro irá ultrapassar outro daquele mesmo comboio.
Qual o fato propulsor que conduz uma série de elementos isolados à unidade? A partir de que momento os motoristas se reconhecem como parte integrante de algo maior e passam a agir de acordo com essas regras?
Assim como a formação parece simples e ligeira, a sua dissolução é mais rápida ainda. Alguns quilômetros à frente, diante de um caminhão andando um pouco mais rápido ou um tráfego intenso na contramão, o primeiro e o segundo carro conseguem ultrapassar, mas já na vez do terceiro o motorista fica preso e passa a desestabilizar o comboio. O que antes era um grupo forte e estável quebra-se em pequenos grupos de dois ou três integrantes, momento a partir do qual a postura de cada motorista muda radicalmente.
O propósito inicial de cada um parece ser restabelecer a unidade do comboio, mas pra isso acabam quebrando as regras que justamente mantinham ele estável. O limite de velocidade já não é respeitado e os motoristas, antes cordiais uns com os outros, passam a se ultrapassar mutuamente em uma tentativa frustrada de criar algum vínculo com aqueles que passaram à frente mas não com os poucos que restaram. Afinal um comboio de apenas três carros não é expressivo e nem viril o suficiente.
Logo já não consigo ver os carros que há poucos minutos estavam à minha volta. Espalhados pela rodovia, volto à companhia solitária dos Peugeots vazios que viajam em cima de uma cegonha de 30 metros que insiste em atravancar a minha frente. Passo o resto do caminho imaginando o que deu errado e formulando uma teoria maluca, meio comunista, pra tentar angariar membros pro meu novo e renovado Comboio.
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