Sempre escrevi pra mim mesmo. Me referia à um suposto leitor plural, mas no fundo no fundo, era apenas eu. Ou melhor, vários eus. A gente lia e relia, e acabava comentando nos próprios textos. Claro, quem eram estes se não mais um eu. Existia uma relação de interdependência entre a gente, esses eus diveros. Faziamos tudo juntos, tudo mesmo, mas as vezes a timidez tomava conta de mim, e ele, eu, nós -já nem sei,- ficava jogado num canto, pensativo. Sem demora, desses momentos surgiu a busca incessante pelo eu essencial, o eu mor que dera origem à essa loucura toda e seus semblantes diversos. E fiquei eu, nos meus vários instantes de lucidez, buscando, buscando, buscando. Até que um dia percebi que tudo não passava de uma grande ilusão. Os eus, inclusive o próprio, eram sim sonhos, criações do inconsciente de uma borboleta. Toda noite imaginava uma vida de cerveja, filosofia barata e um sexo casual com umas e outras. Então voltava para sua vidinha de sempre, pairando por entre um prédio cinza e outro, este num colorido-desbotado talvez. De vez em quando parava para olhar o sol, que a cegava, mas ao mesmo tempo acabava com aquela sua existência, transformando novamente a realidade em algo que nunca havia sido antes.