1.Entrou no quarto e viu o filho comendo naftalina. Sentado, olhando triste para a parede, branca, saboreava aquele mata-traça enquanto cantarolava uma dessas canções estranhas e impronunciáveis de uma banda mais estranha ainda. Parou. Meu deus onde errei - seria a conclusão lógica de qualquer leitor para seu pensamento imediato, mas não conseguia tirar a maldita música da cabeça. Só então depois do refrão para bravar em alto tom (mental ao menos) PUTAQUIOPARIU onde errei?! Pois era ateu, e não acreditava nessas coisas do Mel Gibson.
Havia colocado o guri nos melhores colégios, ensinado a história do MUNDO e presenteado ele com um jogo de lego em TODOS os natais, e ali estava ele a drogar-se com químicos de supermercado. Que fosse ópio e escrevesse seus delírios ! Que fosse cannabis e lutasse pela salvação dos golfinhos ! Que fosse ácido e conhecesse o John Lennon ! Naftalina meu filho! Naftalina!!
Deprimiu, pegou o Musashi e foi ler ao telefone; não sem antes misturar aquela ritalina ao seu copinho de JB. Só um cubo de gelo por favor, e vê se capricha.
2.Acende um cigarro; não fuma, nunca fumou, mas acende pela graça de. Maldito dia que já paira alto. A manhã mal começou e o sol reflete os cacos no chão, resquícios de globo de uma boate que já não ligará seu chão piscante e multicolorido. Dançara muito.
Na rua cruzam figuras estranhas à sua distância. A senhora parada pro ônibus de sacola na mão que lê Sidney Sheldon; o papeleiro que abre seu depósito ainda de olho na moça que passa; correndo de pasta na mão e mochila batendo na bunda ainda menina, perde seu ônibus, senta na calçada e canta. Por aquelas ruas era apenas mais um transeunte.
Há tempos não tinha a maravilhosa sensação de acordar e não saber onde, muito menos saber que fotos eram aquelas que decoravam paredes verdes que não suas. Saiu sorrateramente, curtindo a cumplicidade de não saber. Muito menos de como tinha a chave. Tinha.
E pensar que nada teria acontecido se tivesse simplesmente entrado no taxi, mantido-se aquém a só mais uma coisa. Mas não. Saiu correndo, quis ver a noite, tomar vinho tinto em doses absurdas e deitar nu em quartos alheios, ainda que sozinho e com frio.
Apenas saiu.